sexta-feira, junho 28, 2019

(DIM) «Daïna, a Mestiça» de Jean Grémillon (1931)


A História do Cinema conta com filmes esquecidos, que mereceriam ser apreciados com a atenção devida aos fenómenos incomuns. Vejam-se os dois minutos e pouco do clip deste «Daïna, la Métisse», que Jean Grémillon realizou, mas a que não quis dar o nome no genérico, porque os produtores decidiram amputá-lo de meia hora, estreando-o com uma montagem totalmente alheia ao projeto original. E, no entanto, mesmo truncado, ele surpreende pela ambiência: estamos numa viagem de mar a bordo de um navio, que se dirige para as colónias francesas do então designado ultramar. Há um espetáculo de ilusionismo para um público com singulares máscaras a ocultar-lhes as identidades. E é dado protagonismo a um ator negro e a uma atriz mestiça, coisa raríssima no cinema dos anos 30.
Ela é Laurence Clavius e parece ter aqui tido o primeiro e derradeiro desempenho no cinema sendo quase nulas as referências a seu respeito. Mas ela é a mulher capaz de sugerir um erotismo perturbador sem adivinhar o quanto ele será a causa da sua perda.
Há, de facto, uma divisão entre o mundo das aparências, que é o dos salões do navio e seu convés em contraponto com a casa das máquinas ilustrativa da bestialidade dos instintos primários. Ora Daïna excita um dos maquinistas, Michaux (interpretado por Charles Vanel), quase sendo por ele violada, restando-lhe defender-se mordendo-lhe o braço.
No dia seguinte quando o comandante providencia uma visita aos navio, e inclui a casa das máquinas, ela identifica o agressor através da ligadura, que lhe protege o braço mordido.
Ela não tarda a desaparecer como resultado da vingança do brutamontes mas, adivinhando o sucedido, o marido logo congemina o desagravo.
Seria interessante aceder à longa-metragem, que Grémillon congeminara, mas para a História do Cinema só ficou esta versão de 51 minutos, que basta para suspeitar do talento notável de um realizador maldito a quem foram negadas as condições para concretizar uma filmografia à medida do que, por esta amostra, o julgaríamos capaz.

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