quinta-feira, junho 13, 2019

(DIM) A educação bolonhesa de Pier Paolo Pasolini


Pasolini dizia ter passado em Bolonha os melhores anos da sua vida embora o que lhe conhecemos da biografia tenda a desmenti-lo. Terão sido os bastantes para lhe consolidarem as características congénitas, já que a cidade é conhecida como “la Dotta, la Grassa, la Rossa”. Ou seja a dada ao saber, à abundância e à contestação.
Intelectual comunista - um dos mais influentes do século XX - Pasolini ali nasceu em 5 de março de 1922 no bairro de Santo Stefano no mesmo ano em que Mussolini chegou ao poder. O pai, Carlo Alberto, aderiu com entusiasmo ao movimento fascista e até seria, enquanto responsável do serviço de segurança de um comício com o ditador na Piazza Maggiore, quem impediu o sucesso do atentado que um jovem antifascista ali tentou concretizar. Acaso tivesse morrido nesse ano de 1926 como teria evoluído a Itália nos anos seguintes se o pai do realizador não o tivesse evitado?
Tirânico e brutal, esse progenitor marcaria muito negativamente a infância de Pier Paolo, que com ele ajustaria contas numa das suas obras derradeiras, «Édipo Rei», espécie de exorcismo contra quem tanto odiou. Explica-se que procurasse alento na beata religiosidade da mãe e encontrasse fundamento no ambiente espelhado nas três basílicas do Quadrilatero, uma delas -  a de San Petronio - projetada para ser a maior do mundo, quando foi construída no século XIV. Embora viesse a assumir-se futuramente como ateu, é possível que o realizador de «Mamma Roma» replicasse na ideologia o estado de espírito dos crentes perante os mistérios de Deus. Afinal não viria a assinar a mais impressionante das adaptações bíblicas ao cinema com o seu «Evangelho segundo São Mateus»? Nesse filme Cristo surge como o revolucionário que pega na espada e prega a Revolução! Um Cristo que se bate pelos pobres, pelos deserdados, pelos humildes.
A Piazza Verdi, centro cultural da cidade ocupado pelos estudantes da Universidade, que ali alimentavam tertúlias junto ao Teatro Municipal e a uma representativa igreja da transição entre a Idade Média e a Renascença, serviu de cenário para as muitas discussões do jovem Pier Paolo, que se matriculou na Faculdade de Letras em 1939, quando a Itália estava a preparar-se para entrar na guerra ao lado dos alemães.
Dante, Petrarca, Erasmo e Copérnico servir-lhe-iam de inspiração para potenciar um espírito crítico, que o levou a pôr em causa todas as certezas impostas pelo regime. Na Biblioteca oitocentista pôde embeber-se da erudição, que o caracterizariam doravante, abarcando conhecimentos multidisciplinares em que sobressairiam os artísticos, datando de então a atração pelos quadros de Caravaggio, que procuraria reproduzir cinematograficamente em muitas das obras futuras. Tanto mais que intuiu uma conclusão imediata: as obras do passado e as do presente não estavam tão distanciadas quanto os séculos deixariam pressupor. As interligações entre a poesia do século XIII e a do século XX surgiram-lhe como naturais como se convergissem em valores e emoções intemporais.
O outro polo para que orientou a atenção foi a Libreria Annani, cuja fachada se abriga debaixo das célebres arcadas da cidade e sempre origem de jubilatórias fruições dos autores universais sucessivamente aí descobertos.
Pasolini abandonou Bolonha durante a guerra devido aos frequentes bombardeamentos instalando-se definitivamente em Roma. Mas quando regressou à cidade natal para a tornar breve cenário de uma das cenas do referido «Édipo Rei» foi para execrar-lhe a burguesia em quem detetou os tiques do fascismo paterno, que nela terá perdurado face à juventude rebelde sempre disposta a combatê-la.

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