domingo, junho 16, 2019

(AV) O breve idílio entre Max e Leonora


Foi daquelas súbitas paixões: Max conheceu Leonora numa exposição em Londres e logo teve irreprimível vontade de com ela se abrigar num sítio longe de tudo, desconhecido de Breton, cujo entusiasmo trotskista o enfadava e, sobretudo, de Marie Berthe com quem mantinha entediante conjugalidade.
Foi numa aldeia do sul de França, Saint-Martin d’Ardéche, que o casal se instalou em 1937, quando os clamores da guerra se levantavam por toda a Europa e a Espanha, ali ao lado, prenunciava o pior do que se seguiria. Max e Leonora disso não queriam saber, que mais lhes importavam os deleites do amor. Ali, à beira de um pequeno rio a correr no sopé de altas falésias sentiram-se fora do tempo. A casa, escondida por trás de decanos ciprestes, tornou-se refúgio que iludiu-os quanto à eternidade da felicidade partilhada. E a criatividade expressou-se nos meios, que mais lhes convinham, a escrita nela, a escultura nele. Nas paredes da habitação ficam figuras em pedra, que ainda ali permanecem ao fim de oitenta anos e a transformam numa obra artística total.
Houve também a pintura e Ernst criou ali um dos mais representativos quadros desse final dos anos 30: «Um Pouco de Calma», que reflete o grato momento de quietude nas suas vidas.
As circunstâncias da época acabaram por lhes vir ao encontro: Max viu-se preso, primeiro porque era alemão - e como tal, potencial inimigo durante a «drôle de guerre» - depois, porque, conhecido como antinazi, prevalecia contra ele a vontade dos vitoriosos exércitos de Hitler.
No Camp de Milles, onde esteve encarcerado durante meses, conheceu o pintor Hans Bellmer e, apesar da precaridade das condições em que viviam, meteram mãos à obra em peças de autoria conjunta. A atitude surrealista, que o incitava a de tudo se distanciar, ajudou-o a suportar a provação como se lhe fosse alheia.
É Peggy Guggenheim quem consegue que o libertem e o embarquem para a América. Ela apanha o mesmo barco e os dois acabam casados nos cinco anos seguintes. Pior destino teve a infeliz Leonora que, perante a prisão do amante, conseguiu fugir para Espanha com uns amigos, mas viu debilitado o estado mental. Internada num manicómio em Santander de lá fugiu, conseguindo chegar a Lisboa. Aqui conheceu um escritor mexicano, que a levou de volta ao país natal, onde morreria, já com proveta idade, há oito anos.
Não consta que Max e Leonora se tenham voltado a encontrar, sequer a corresponder. Mas fica a questão: acaso a guerra não tivesse vindo ao seu encontro como teria evoluído a breve e fogosa relação, tão abruptamente cerceada?

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