terça-feira, junho 18, 2019

(DIM) «Fado, História de uma Cantadeira» (1947)


Não aprecio o fado, nem Amália Rodrigues, embora o seu «Barco Negro» me tenha suscitado particular comoção num domingo em Pireu quando há mais de vinte anos, liguei o rádio no quarto de hotel e deparei-lhe com a voz depois de breve explicação por parte do locutor grego. Estava a acompanhar a morosa reparação de um navio no estaleiro de Perama não fazendo ideia de quando voltaria a casa e veria de novo quem me suscitava tantas saudades. Se naquele dia não me rendi definitivamente ao que, em tempos, José Mário Branco designou como fadinho choradinho de tabernas e salões, só capaz de semear desalentos e desilusões, nenhuma outra experiência o conseguirá. Ainda que abra a exceção de tal regra a Ricardo Ribeiro, sobretudo, quando mistura linguagens musicais como fez com Rabih Abou Khalil.
Para quem gosta desse tipo de canção e da sua mais canónica voz, haverá a oportunidade de a rever numa da sessões da Cinemateca na próxima semana, integradas no ciclo dedicado ao melodrama. Será no dia 26 às 15h30, que passará «Fado - História de uma Cantadeira», realizado por Perdigão Queiroga em 1947 e constituiu a segunda presença de Amália no grande ecrã depois do sucesso de «Capas Negras» de Armando Miranda no mesmo ano.
O enredo é básico:  Ana Maria triunfa no «Retiro» do empresário Chico Fadista (António Silva igual a si mesmo!) e aceita ser contratada para cantar profissionalmente, afastando-se do namorado, Júlio, que se dedicava à construção de guitarras e habitualmente seu acompanhante.  A nova existência não a fará feliz e só o volta a ser quando regressa ao ponto de partida, preferindo a simplicidade inicial à dourada existência com que a haviam iludido. Temos o salazarismo no seu esplendor com o ênfase na lógica do «pobrezinhos, mas honrados».
As interpretações são básicas, que os dotes de Amália e de Vergílio Ferreira eram limitados, mas Queiroga estagiara nos EUA e de lá trouxera experiência no cinejornalismo, demonstrada no talento como enquadrou as personagens e lhes interligou as cenas.
O filme serviu tão eficazmente os objetivos do Estado Novo que, logo na primeira semana das suas emissões regulares, a RTP exibiu-o como exemplo do tipo de divertimento com que pretendia entreter uma população em breve cativada pela esperança de vir a ter em Humberto Delgado o seu presidente. Como aconteceria com os demais filmes de Queiroga este constituiu eficiente ferramenta de propaganda do regime tombado em 1974. E contribuiu para a equívoca fama com que Amália chegou a esse dia da Revolução dos Cravos...

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