terça-feira, junho 04, 2019

(DIM) Jacques Tati: a capacidade de misturar o riso inquieto com a poesia


Nascido em 1907 e desaparecido em 1982, Jacques Tati rodou filmes entre 1935 e 1978, criando um estilo muito pessoal, sem vínculo a qualquer moda. Se recebeu inspiração do burlesco norte-americano dos anos 20, divertiu-se a experimentar processos técnicos e narrativos, que deram origem a uma aproximação diferente à realização cinematográfica. Sendo um artesão no melhor dos sentidos, conseguiu alcançar o perfecionismo só acessível aos verdadeiros artistas.
Realizador extravagante, sempre almejou suscitar o sorriso num tipo de cinema que pretendia ser muito sério. Porque defendia que o cinema é feito com uma caneta, um papel e horas de observação do mundo e do comportamento das pessoas.  Macha Makaieff defende que Tati pertence a uma geração, que inventou o cinema com um tipo de narrativa, que ilude na aparente incompletude e suspensão, mas se assemelha a um quarteto de cordas, um tipo de formação musical, que nunca passa de moda.
Tati investiga a vida tal qual se lhe apresenta, imitando-a no ecrã, de forma a criar um imaginário radicado no real. Stéphane Gaudet vê semelhanças com Chaplin, mas é como se este tivesse aberto vias, que o realizador de »As Férias do Senhor Hulot» franqueou amplamente. Quer se trate do carteiro François, quer de Hulot ou do senhor Loyal, do campeão de boxe, do designer da indústria automóvel ou do tio compincha, Tati embarca o espectador para uma deambulação genial, sem nada verdadeiramente lhe impor. É jubilatório, mas também melancólico. Rimo-nos de nós próprios, sentindo que nada é verdadeiramente sólido, nem garantido. Porque vemo-lo, e vemo-nos, nas pontas dos pés, convidados a de tudo desconfiar. O nosso sorriso, o nosso riso mais aberto, não deixa de ser inquieto. Mesmo quando se trata da velha senhora encantada com a concha descoberta à beira-mar e oferecida generosamente ao cônjuge, que, apanhando-a distraída, logo a devolve ao mar.
E existe ainda a magia, que é também sonora, hilariante no seu experimentalismo. Porque se abundam as canções, os ritmos populares, também há uma riqueza de sons, que constituem por si mesmos uma exultante partitura à parte.

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