Há um par de dias, quando conversava com quem andava a ler a biografia não autorizada de José Saramago, e reconhecia haver nela pólvora bastante para quantos apostam em denegrir o nosso Nobel, a pretexto do seu feitio femeeiro, lembrei o juízo dele feito por Lídia Jorge, que o considerava um «homem bom». E quem o conheceu, assim o confirma de facto, por muito que haja quem, por estes dias, ande a dizê-lo machista, opressor de mulheres.
Quanto à escritora, que teve a desdita de contar com um conterrâneo tão odioso quanto o foi o filho do gasolineiro local, a qualificação a atribuir-lhe poderia ser similar: existe uma efetiva bondade na sua personalidade, sempre apostada em acreditar na possibilidade de mudar alguma coisa com os seus livros. Ilusão estulta? Talvez! Mas vão lá convencer um jovem da impossibilidade de dobrar o mundo à sua vontade, de o tornar melhor, quando o idealismo o torna precoce militante de causas transformadoras? E é grande virtude reter essa característica, mesmo já passadas algumas décadas sobre os verdes anos!
Edmundo Galiano, o épico protagonista do seu último romance, «Estuário», é um desses jovens. Benjamin de entre os cinco irmãos de uma família lisboeta, vira-se envolvido na atividade humanitária nos campos de refugiados em África, esses esquecidos de uma Humanidade, que deveria priorizar o alívio do seu sofrimento. Regressado a casa sem três dedos, tem de se adaptar a essa circunstância, ao mesmo tempo que constata não ser muito diferente o estoicismo testemunhado alhures daquele que, em Lisboa, era o dos que sofriam os rigores da troika, uns e outros condicionados pelas mesmas causas desumanas, pelo mesmo sistema.
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