Contar o dia-a-dia é mera atividade escrita ou pode constituir um modelo de literatura? A abordagem feita pela revista «Lire» aponta para a segunda hipótese, porque são muitos os exemplos de grandes livros em que se contam factos reais, ficcionando-os ou não. E, revisitados muitos anos depois de terem sido escritos, constituem testemunhos imprescindíveis, não só sobre a vida do autor (mormente, a sua sexualidade), mas sobretudo sobre a sociedade nessa época.
A polémica sobre o valor desse tipo de propostas literárias esteve na ordem do dia, e de maneira muito intensa, na década de 80 do século XIX, com o monumental «Fragments d’un jornal intime» de Henri-François Amiel, que, nas suas 17 mil páginas, revelava trinta anos da vida do autor, quase sempre angustiado, procrastinando os compromissos tanto quanto possível, porque os preteria em proveito da contemplação. Pela mesma altura Marie Bashkirtseff via publicado o seu Diário póstumo (morrera aos 25 anos) em que contava a vida mundana nas grandes cidades europeias e os encontros com muitos intelectuais da estirpe de Zola ou de Maupassant.
Os críticos não tardariam a reagir com singular violência: esse livros seriam plebeus, femininos, infantis, e sinónimos de degenerescência. Thibautet, um deles, comentava que era “uma arte dos que não são artistas, o romance dos que não conseguem ser romancistas.”
Contra eles insurgia-se, porém, Anatole France, que constatava: “Criticam-se os que falam de si próprios. É decerto o que melhor podem conhecer.”
Sem comentários:
Enviar um comentário