Da atual literatura cubana retenho o nome de Leonardo Padura como o autor mais interessante. Se o comecei a conhecer através dos romances policiais, tendo Mário Conde como protagonista, venho-o lendo noutros romances onde a lógica de género se dilui e fica a narrativa ficcional liberta dos espartilhos anteriores.
Datado de 2011, ‘O Homem que gostava de Cães» vai desenvolver-se em dois percursos paralelos destinados a cruzarem-se num momento decisivo, em agosto de 1940: o de Leon Trotski e o de Ramon Mercader.
De início temos um narrador, Ivan, que sai do cemitério depois de acompanhar o funeral de Ana com quem vivera nos anos mais recentes. Conhecera-a na Escola de Veterinária onde trabalhava, quando lhe aparecera com um poodle carecido de urgente operação. Porque nenhum clínico estava presente, ele próprio se incumbira da cirurgia, que poupara a vida ao animal de estimação da rapariga. Dias depois já ele e ela partilhavam as dificuldades de sobreviverem nas difíceis condições da crise dos anos noventa, quando estancara o contínuo apoio económico da União Soviética antes da sua implosão. As muitas carências básicas não lhes haviam condicionado os êxtases propiciados pela arrebatada paixão.
É para entreter a companheira nas dificuldades das derradeiras semanas de vida, que Ivan começa a contar-lhe a história do homem que gostava de cães, com quem privara catorze anos antes. Não a vertera para versão escrita por assumido receio das consequências se lha viessem a encontrar. O relato recua até 20 de janeiro de 1929 quando, deportado para Alma-Ata, Liev Davidovitch confirma os receios de se ter visto definitivamente proscrito do país, que ajudara a revolucionar. Qualquer controle, que quisesse deter sobre a vida e a morte, quer sua, quer dos familiares mais próximos, deixara de lhe pertencer. A ordem de expulsão do país no prazo de vinte e quatro horas surgira-lhe ao fim de várias semanas a viajar de comboio para longe de Moscovo, com muitas paragens, algumas delas suscitadas pelas maiores tempestades de neve a que jamais assistira.
As escassas notícias sobre os acontecimentos na capital só acrescentavam desespero ao que começara por se assemelhar a um forte desânimo: os amigos estavam a ser presos e condenados, sonegando esperanças a uma qualquer inflexão. A preocupação imediata tinha a ver com o sítio para onde o queriam mandar: a Turquia contava com muitos dos russos brancos, que o continuavam a eleger como inimigo a abater. Talvez fosse essa a esperança de Estaline: não querendo ser acusado da sua morte, propiciava condições a quem a almejava, possibilitando-lhe a recuperação do cadáver, novamente restituído à condição de herói da Revolução, por ela tombado em ignóbil martírio.
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