Na mais recente sessão das Noites do Lugar Comum - às sextas-feiras na Associação Gandaia - estiveram em discussão as instruções para salvar o mundo, sendo um dos tópicos dessa abordagem a recuperação do valor da generosidade. Era essa a proposta de Matias, um dos personagens do romance homónimo de Rosa Montero, que possibilitou uma troca dialética de ideias entre os presentes.
Generosidade, Fraternidade, Solidariedade. Três designações para o que deverá ser o mesmo imperativo de um comportamento civilizado capaz de legar um planeta mais hospitaleiro para as gerações vindouras.
O road movie de Agnès Varda, hoje apresentado no Cineclube, é sobre isso mesmo: percorrendo a França em todas as direções, ora pelas zonas rurais, ora citadinas, a realizadora encontra os respigadores que, por opção ou por necessidade, aproveitam os desperdícios alheios. Em todos subsiste esta pergunta singela: não constitui um insulto para a natureza, que se desperdice o que ela faculta, ou se a polua com o que pode ainda ser reparável?
Uma das imagens mais elucidativas do filme é a batata em forma de coração, que nunca poderá chegar aos hipermercados por colidir com os calibres aceites para a respetiva comercialização. Abandonadas nos campos depois da colheita, essas batatas não conformes com os padrões, são recolhidas por quem delas depende para se alimentar.
O testemunho dado pelo filme nega a versão dos «feios, porcos e maus», que Scola deu dos indigentes. Varda encontra quem oferece gratuitamente o seu saber aos que vivem precariamente, contribuindo para que superem o analfabetismo, que os tende a desestruturar socialmente. Ou também os que, respigando mais do que necessitam, distribuem o excesso com os carenciados vizinhos.
Ver ou rever este título da decana dos realizadores franceses é sempre um prazer pela demonstração de fé num mundo mais humano. E a própria autora equipara-se aos seus protagonistas, porque o que é ela senão uma infatigável respigadora de imagens?
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