Há quase mês e meio, António Lobo Antunes deu uma entrevista ao JL a pretexto do seu último romance, «A Última Porta antes da Noite». Como de costume, encontro nas suas palavras mais fartos motivos para reiterar a antipatia, que sinto por ele e pela sua obra. É que, acabando ainda agora de ler o «Ultimo Caderno de Lanzarote» desse homem bom que foi Saramago, nele nada encontrei algo de parecido com o que afirma o seu demonstrado invejoso nesta peça de Luís Ricardo Duarte, quando o ouviu perorar sobre ainda lhe faltarem três livros (ainda tantos?) para fechar a oficina da escrita: “Acho que chega. Já mudei a literatura (sic!). Fica a obra feita!”
O entrevistador começara por nos contar o que consta das estantes do escritório do autor: narcisista como é só ali encontrou os livros por ele escritos, em diversas traduções. De início também ficamos a saber que não é só Saramago a merecer-lhe o ódiozinho de estimação, porque o próprio Pessoa a ele não escapa; “às vezes dá vontade de desmontar o mito!”.
No fim da primeira página temos direito a outra pérola antunesiana, quando se orgulha de, hoje em dia, em Portugal “ninguém se atreve a criticar-me”. Desculpe?
Na página seguinte temo-lo a explicar que a história pouco importa para si. Neste caso serviu-se do homicídio do empresário de Braga cujo corpo foi dissolvido em ácido sulfúrico, mas poderia servir-lhe uma qualquer outra novela de faca e alguidar, porque o interesse resume-se-lhe a masturbar-se com os floreados da língua e nos assumidos pontapés na gramática. Continuando a remoer o facto de lhe editarem os livros na Pleiade, mas lhe recusarem o Nobel, ele invoca a explicação de um dos seus tradutores - “já me disseram: nunca vou ganhar um prémio, porque não respeito a gramática!”
Para quem conhece a originalidade com que o nosso Nobel burilou as palavras, dotando-as de uma originalidade notável, a desculpa do seu rival soa a bacoco. Como o é a recordação do dia em que o pai, antes de ir para o Hospital onde exercia a medicina, o veio acordar, abrindo-lhe as janelas do quarto, e o patético rebento lhe terá dito: “veio assistir ao acordar de um génio”.
Nunca fui paladino da psicologia aplicada no tratamento dos filhos, mas fosse eu o pai do presunçoso, bem lhe teria aplicado um mais do que justificado corretivo. Infelizmente o filho Antunes confessa, que o pai ficou pensativo a olhá-lo (por certo de espanto!) e saiu do quarto sem nada dizer. É crível que ele nunca tenha alcançado o pensamento crítico, que o progenitor terá sentido naquela altura. Mas que fazer quando, mais adiante, confessa que, aos doze anos, já se considerava o melhor escritor do mundo?
A vaidade não tem, porém, limites. A mãe, por exemplo, dá-lhe o ensejo de enfatizar a sua excecionalidade com a pergunta desafiante: “Quantas pessoas leram o Proust todo três vezes?” E, logo volta à sua sanha contra os críticos, os tais que julga ter definitivamente calado: “Tive muita sorte com a minha família e isso deve ter irritado muitos críticos, talvez menos inteligentes, bonitos e bem nascidos”.
Na conclusão da entrevista Antunes reconhece involuntariamente a sua pequenez num raríssimo laivo de lucidez. Fiquemo-nos, pois, pelas palavras poucas, que condensam as duas páginas em que se quis voltar a enaltecer: “Não sei fazer mais nada. Só quando estou a escrever posso valer alguma coisa. E mesmo assim ninguém me vê”. No fundo reconhece-se como um ser angustiado e invisível...
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