domingo, novembro 25, 2018

(DL) O Funesto Destino do Doutor Frankenstein


Há precisamente dois séculos surgiu publicada pela primeira vez a novela de Mary Shelley dedicada ao monstro criado pelo doutor Victor Frankenstein. A autora era uma jovem de 21 anos, que saíra da casa paterna dois anos antes para viver com o amante, o poeta Percy Shelley.
Nos Alpes Suíços, onde se tinham refugiado junto de outros intelectuais ingleses, nomeadamente Lord Byron, ela acedera ao desafio feito por este último para que criassem histórias fantásticas, que lhes pudessem animar os serões á lareira. Mary contaria depois ter imaginado o seu protagonista num devaneio entre o sono e a vigília, sem imaginar como ele se tornaria emblemático do que viria a ser a Ficção Científica, enquanto género literário.
Percy, que aliava o talento poético com a curiosidade científica, servira-lhe de modelo para criar o cientista obcecado pela descoberta do segredo da Vida, apostando na criação de um novo ser a partir de pedaços de cadáveres. Embora arrogante no intento, Victor pretextava a possibilidade de solução para o comum sofrimento humano. A criatura acaba por ser uma espécie de alter ego da escritora, que crescera sem mãe (falecida no pós-parto, que lhe permitira nascer) e com um pai sisudo, William Goodwin, fascinado pelos valores da Revolução Francesa, cujas ideias divulgava nos ofícios de escritor e jornalista.
A ideia de se conseguir a ressurreição a partir de um corpo morto fazia todo o sentido para quem sofrera a perda de Clara, a sua primeira filha. A forma como descreve a lenta transição da morte para a vida pela criatura criada em laboratório, teria sido inspirada na narcolepsia paterna, pois vira-o, amiúde, acometido de ataques fulminantes e de não menos inopinados redespertares.
Assustado pelo ato blasfemo, que executara, Victor foge da criatura, demonstrando-lhe o sentimento de rejeição, que viria a explicar o seu posterior comportamento. Se o cinema e o teatro logo cuidaram de a representar como monstruosa, Mary descreve-a com sentimentos e uma complexa personalidade.
Nos primeiros dias, quando se refugiaou na floresta, a criatura descobriu o fogo e deslumbrou-se com as expressões de beleza à sua volta. A surpresa de descobrir a Lua constitui um dos momentos mais memoráveis do romance. Mas quando, qual Narciso, vê o reflexo na água, horroriza-se com a fisionomia criada pelo arrependido progenitor. Tanto mais que se vê surpreendido pela família, que costumava espreitar e com cujo comportamento buscava humanizar-se. Ao incendiar-lhe a casa inicia a deriva assassina, só adiada ao convencer Victor a criar-lhe uma companheira, que o fizesse sentir menos só. Mas até essa possibilidade se lhe gora com o recuo do cientista, por isso mesmo sujeito a vingança com a morte violenta da noiva.
Perseguindo  a sua criação num glaciar, Victor morre numa avalanche, já não a vendo internar-se nas sombras.
Sem o imaginar Mary prenunciou o arrependimento dos cientistas com as suas descobertas (como sucedeu nos que criaram a primeira bomba atómica) e a anunciada robotização da nossa sociedade.

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