Vamos lá a clarificar as coisas: os primeiros livros policiais, que li foram os dedicados ao ladrão Arsène Lupin, influenciado pela série televisiva transmitida na RTP, quando salazar ainda se ia sentando mais ou menos habilmente na prometedora cadeira. Andava de calções e os primeiros pelos do bigode ainda tardariam a aparecer.
Quando o Movimento dos Capitães me deu ensejo de alimentar ilusões quanto a uma Utopia igualitária, já passara pela fase dos Poirots e dedicava-me então, ora aos autores norte-americanos da primeira metade do século XX (Chandler, Hammett, McCoy e outros mais), ora a Simenon, que me fizera um fã incondicional de Maigret. Quer nuns, quer noutros, havia o lado social, quando não mesmo declaradamente político, demonstrativo de como se pode promover entretenimento inteligente com preocupações progressistas.
Desde então andei pelos policiais de forma irregular, até porque os fui entendendo como não se tratando propriamente de literatura a sério. Até chegar aos autores nórdicos na senda de Henning Mankell: uma vez mais, com Wallander, reencontrei o crime como pretexto para analisar e denunciar situações sociais mais do que controversas.
Agora que me consolido na condição de reformado, o hedonismo impulsiona-me para alternar as leituras mais ambiciosas com outras de vulgar entretenimento. Por isso tenho lido e, quase por certo, continuarei a dedicar-me a outros romances policiais. Mas sempre exigindo-lhes características, que satisfaçam os parâmetros mínimos que justifiquem o tempo dedicado.
Nunca tinha lido nada de Sandra Brown, nem provavelmente arriscarei nova tentativa depois de digerir as mais de 300 páginas deste romance entre os voos de cá para Amesterdão e respetivo regresso. Porque, apesar de contar com mais de sete dezenas de títulos publicados, vendidos como pãezinhos no outro lado do Atlântico, esta texana produz aquilo que designo como escrevinhação tipo chiclete.
A história resume-se em poucas palavras: uma bem sucedida locutora de rádio, que entretém os ouvintes nas horas noturnas, recebe o telefonema de um psicopata a anunciar a morte de uma rapariga por si raptada no prazo máximo de setenta e duas horas. A partir daí os personagens envolvem-se numa corrida de contrarrelógio sem que sejam bem sucedidos: a rapariga aparece mesmo morta. Mas, pelo meio, descobrimos as relações afetivas entre a locutora e o psiquiatra da polícia, que acompanha as investigações, o ambiente libertino dos adolescentes da pequena cidade e as taras mais ou menos explicitas de uns quantos secundários.
No final, quando fôramos sugestionados para inculpar um viciado em pornografia, encontramos a identidade do psicopata na pessoa de um dos polícias, que se caracterizara como profundamente antipático no entretanto.
Fechado o livro o que teremos aprendido? O que terá ele contribuído para que a diversão comportasse algum acréscimo de conhecimento?
Nenhum quanto ao que senti. E por isso rapidamente será título esquecido...
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