A crónica de Vasco Câmara sobre as vicissitudes, que levaram «As Mil e uma Noites» de Miguel Gomes a ser rejeitado pela Seleção Oficial do Festival de Cannes, mas aceite pela prestigiosa secção da Quinzaine des Réalisateurs, deixa perceber um sucesso previsível para o novo título do realizador de «Aquele Querido Mês de Agosto» e de «Tabu». Mas há uma imagem do filme, que se estreará por estes dias na famosa cidade do sul de França, a remeter-me para um passado distante, quando era ainda um miúdo de calções e vivi a minha própria experiências dos protagonistas de «Stand By Me» de Rob Reiner.
Para os que se lembram do filme, baseado num romance de Stephen King e em que River Phoenix era um dos jovens protagonistas, a história consistia no percurso iniciático de quatro miúdos apostados em irem ver o cadáver de um colega de escola, trucidado por um comboio a alguns quilómetros do sítio onde viviam.
No meu caso, fomos três os que, tão só sabedores de ter havido uma baleia a dar à praia no Bico da Areia - onde está hoje a Cova do Vapor -, iniciámos a caminhada entre o Monte da Caparica e a Trafaria para sermos dos primeiros a testemunhar ao vivo a novidade.
Ali chegados havia uma enorme movimentação de gente na praia. Muitos para afivelarem o ar de basbaque perante um corpo tão grande e diferente de tudo quanto até aí tinham visto. Alguns a arriscarem-se a cortar bocados do bicho, ainda moribundo, para satisfazerem uma fome, que nesses anos sessenta grassava de forma tão endémica entre os que viviam nas redondezas.
Felizmente que, desde então, pude ver muitos cetáceos semelhantes nos oceanos que atravessei e eram animais portentosos e pujantes de vida.
Não posso afiançar se a experiência me ficou tão marcante como para os personagens do filme, mas o facto de dela me recordar com tanta facilidade assim o indicia. É que, entre os exercícios militares dos soldados a atravessarem a rua principal da aldeia a prepararem-se para a guerra em África e as serôdias homilias do padre nas missas de domingo, pouco acontecia que pudesse despertar-nos para o sentido aventuroso do inesperado e do que escapava aos cânones da moral de então e aos seus “bons costumes”.
Sem comentários:
Enviar um comentário