Um dos acontecimentos mais palpitantes da presente edição do Festival de Cannes foi o regresso do grande cineasta de Taïwan aos ecrãs europeus. Mas com um filme do género wu xia pian, ou seja de sabres e de artes marciais, a expectativa saiu relativamente gorada, porque a reação de muitos que o viram foi de se questionarem à saída da sala se tinham compreendido alguma coisa. Sobretudo, porque faltou um guia de apoio com o organigrama da sociedade imperial com as funções associadas aos rostos dos que as desempenhavam.
Estamos no século IX com o Imperador a instalar as novas províncias militares com que conta controlar as zonas periféricas do seu Reino.
Yinniang é a personagem educada longe da família por uma monja vestida de branco, que a iniciou nas artes marciais para que viesse a integrar a «seita dos assassinos». Ao regressar à terra natal recebe uma missão para cumprir: matar Tian Ji’na, seu primo, que se tornara governador da província de Wiebo e entrara em rebelião. Ora ela estava para o desposar e vê-se assim perante um dilema difícil.
Temos, assim, um argumento clássico: ou o sacrifício do homem que se ama ou a traição ao código de honra da confraria. Pelo meio abundam outras intrigas ininteligíveis, mais para «encher chouriços» do que para acrescentar o que quer que seja à história principal. Mas, a exemplo de outros filmes de Hou Hsiao-Hsien a ausência implica sofrimento, enquanto a presença equivale a matar o outro… Pressente-se este princípio, mas ele fica ao nível de uma ideia a pairar pela história sem que a dimensão emocional se despolete por causa, precisamente, dessas incessantes derivações do argumento.
O resultado é deixar o espectador na atitude de distanciamento em relação ao que se passa na tela, por muito que se sinta algo do que tornou o realizador tão aplaudido. É que existe um belíssimo prólogo a preto-e-branco, intenso e profundo, a dar depois lugar a uma riqueza cromática da fotografia, que surpreende. Sem esquecer as construções espaciais complexas dos corpos em suspensão. Algumas sequências de lutas entre as personagens parecem ritmadas pelo som de um metrónomo.
Reconheça-se, igualmente, a forma muito pessoal como Hou Hsiao-Hsien recorre ao wu xia pian, com tempos lentos a serem sacudidos por outros de ritmos cataclísmicos. Há, igualmente, a habitual desfocalização da intriga, substituindo-a sistematicamente pelo que lhe é periférico ou paralelo. Um exemplo? Quando Yinniang combate um esbirro a câmara passa a centrar-se em Tian Ji’na e no seu filho.
Conclui-se, assim, que a longa espera pelo filme mais recente de Hou Hsiao-Hsien não correspondeu ao que se esperara, transferindo-se para o próximo projeto o essencial dessas expectativas.
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