Será que o cinema é viável sem o apoio do romance literário? Eis a questão que Frédéric Bonnaud decidiu colocar a diversos convidados entre cineastas, argumentistas e escritores no documentário «Le Cinéma peut-t-il se passer du roman»», que integra a coleção «Histoires de cinema», e foi realizado por Florence Platarets e Xavier Villetard.
Como ponto de partida escolheu um lugar comum tão velho como o cinema: um bom livro significa um bom filme.
Mas será mesmo assim?
Hoje a sétima arte serve-se da literatura como se ela correspondesse a um tesouro inesgotável de histórias por contar, a tal ponto que um em cada dois filmes resulta da adaptação de um romance.
É quase uma regra incontornável: um sucesso literário resultará num filme, de forma mecânica e quase automática. Ou seja, mediante uma adaptação preguiçosa e sem qualquer esforço de originalidade. Ainda que muitos realizadores dignos desse nome consigam enriquecer o material sobre que se baseiam e proponham uma leitura inédita e apaixonante.
Veja-se como Luchino Visconti conseguiu ser tão bem sucedido com a adaptação de «Morte em Veneza» de Thomas Mann, embora depois falhasse com estrondo a que quis fazer de «O Estrangeiro» de Albert Camus. Ou como Coppola partiu de um romance de Joseph Conrad passado no Congo colonial e o transformou num filme apaixonante passado na Indochina com «Apocalipse Now».
Uma questão para a qual é difícil encontrar resposta é a de se saber como adaptar uma obra-prima? Tanto mais que ela tem de ser lida em função da época em que se roda o filme. Por exemplo a adaptação de «Le Rouge et le Noir» de Stendhal resultou num filme dos anos 50, que contava com Gérard Philippe e Danielle Darrieux, dois dos melhores atores do seu tempo. E, no entanto, a solução adotada por Autant Lara e os argumentistas, que consigo trabalharam, de nada serve a Mathieu Amalric, que anda às voltas com um novo projeto de o adaptar, mas com tal ambição em ser fiel ao romance que está a transformá-lo numa impossibilidade quase certa de vir a ser concretizado.
Algo de semelhante ao que se passou com os milhares de páginas, que integram o «À Procura do Tempo Perdido», abordado por sucessivos cineastas sem grande sucesso e provavelmente melhor ilustrado pela forma como Bertrand Bonello cuidou recentemente da biografia de Yves Saint-Laurent.
Mas o documentário mostra-se estimulante em muitos outros aspetos, quando entrevista Wes Anderson a propósito do «Grand Budapest Hotel», que quis passar para o cinema o universo de Stefan Zweig e não tanto um qualquer dos seus romances em particular. Ou num filme de arquivo com Marguerite Duras, que só aceitava a passagem de romances para cinema por uma questão de ganhar dinheiro, porque quando Jean Jacques Annaud se atreveu a filmar «O Amante» ela logo tratou de reescrever a história numa nova versão - «O Amante da China do Norte» - como que para recuperar-lhe a respetiva posse.
Numa fascinante viagem pelos bastidores dos autores e do seu esforço criativo, fica a concluir uma piada muito engraçada de Hitchcock, que contou um dia o que sucedera com duas cabras quando estavam a comer erva num campo, e deram por si a mastigar restos de película cinematográfica. Pergunta uma delas à parceira:
- Então, o que achas?
- Não está mal, mas o romance era bem melhor!
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