Nunca considerei Fernando Lopes um realizador maior do cinema português talvez por encontrar na maioria dos seus filmes a repetição exaustiva de um certo Portugal marialva, consciente de o ser, mas impotente na incapacidade de o domar. E, no entanto, sempre me dá prazer o retorno a essas obras por muito que, depois, sinta ser a última vez que as revisito. Até a próxima oportunidade se declarar.
“Em Câmara Lenta” surge, neste contexto, como uma obra de despedida que parece querer resolver essa tensão permanente. Realizado em 2012, quando Fernando Lopes já sabia que o tempo lhe escasseava, o filme funciona como um exercício de memória e reconciliação – não apenas com o seu percurso cinematográfico, mas com toda uma geração que se viu entre a derrocada do Estado Novo e as promessas por cumprir da democracia.
Há neste último filme uma melancolia diferente daquela que atravessava obras como “Belarmino” ou “Uma Abelha na Chuva”. Se nestes primeiros trabalhos a câmara de Lopes captava a frustração de homens presos entre códigos sociais obsoletos e desejos inconfessáveis, neste “Em Câmara Lenta” encontramos a aceitação serena do tempo que passa e das oportunidades perdidas. O próprio título é revelador: já não se trata de acelerar a narrativa para captar a urgência dos momentos decisivos, mas de desacelerar o olhar para contemplar os gestos finais.
O protagonista, um homem maduro que regressa aos locais da juventude, funciona como alter ego do próprio realizador. Através dele, Fernando Lopes revisita não só a sua filmografia, mas todo um universo cultural que parecia estar em vias de extinção já nos anos 60 e que, cinco décadas depois, revela-se definitivamente arqueológico. O Portugal marialva que tanto criticara nos filmes anteriores surge agora despido de qualquer nostalgia romantizada, mas também liberto da indignação que o caracterizava.
A câmara move-se com uma lentidão deliberada, como se quisesse gravar para sempre cada detalhe de um mundo que está a desaparecer. Os enquadramentos, menos ousados que nos filmes da juventude, ganham uma precisão quase documental. Fernando Lopes parece ter encontrado, finalmente, a distância certa para observar o país sem julgamentos precipitados.
“Em Câmara Lenta” é, assim, mais do que um testamento cinematográfico – é um exercício de reconciliação com uma obra que sempre oscilou entre a fascinação e a repulsa pelo Portugal que retratava. Neste último filme, Fernando Lopes consegue o que talvez nunca tinha conseguido: olhar o passado sem rancor, o presente sem ilusões, e deixar um registo final que, pela primeira vez, nos convence de que vale a pena revisitar. Sem reservas, desta vez.
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