Shame on me: até agora, não ouvira falar de María Novaro, nem tão pouco do seu Danzón, que realizou em 1991 e foi selecionado para o Festival de Cannes.
Como é possível que este filme delicado tenha passado despercebido por quem intenta manter a atenção ao cinema latino-americano? “Danzón” não se limita a ser uma história sobre dança — é uma ode à mulher invisível, àquela que vive entre telefonemas, silêncios e passos ritmados que só ganham sentido quando permite-se escutar a si mesma.
Julia, a protagonista, é uma telefonista na Cidade do México. Mãe solteira, vive uma rotina sem sobressaltos, exceto às quartas-feiras quando dança com Carmelo, seu parceiro habitual. Eles não trocam palavras, apenas passos. E é nesse silêncio que constrói-se uma intimidade estranha, quase ritualística. Quando Carmelo desaparece, Julia embarca numa viagem até Veracruz — não apenas para encontrá-lo, mas, sem saber, para encontrar-se.
O filme, dirigido e escrito por María Novaro, é uma pérola do cinema mexicano. Com uma estética suave, cores quentes e uma narrativa que flui como uma dança lenta, “Danzón” convida a acompanhar Julia numa jornada de autodescoberta sem grandes reviravoltas, gritos, ou heroísmos. Apenas com humanidade.
María Novaro, que estudou sociologia antes de formar-se em cinema, é uma das vozes mais singulares do cinema mexicano. Participou do coletivo Cine-Mujer, mas nunca ficou agarrada a rótulos. A obra é profundamente feminista, mas na forma como dá espaço à subjetividade feminina, à complexidade das mulheres comuns, à beleza dos gestos quotidianos.
“Danzón” é feminista porque Julia escolhe. Escolhe partir, escolher dançar, escolher sentir. E isso, num universo cinematográfico ainda tão dominado por narrativas masculinas, é revolucionário.
Depois de ver “Danzón”, dá vontade mergulhar na filmografia de Novaro: “Lola”, “El jardín del Edén”, “Sin dejar huella”, “Las buenas hierbas”… Cada filme promete ser uma janela para mundos femininos que raramente vemos no cinema. Mundos onde as mulheres não são musas nem vítimas, mas protagonistas de suas próprias histórias.
Abra-se espaço para obras como esta — silenciosas, dançantes, profundamente vivas.
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