sábado, agosto 09, 2025

"Le Horla" e a Loucura de Maupassant

 

Confesso: sou ateu, mas adoro um bom filme de terror. Sou cético, mas perco-me em histórias de fantasmas, demónios e criaturas inexplicáveis. De Lovecraft a Stephen King encontrei em muitos autores a justificação para tantas horas de grata fruição! De fora, pode parecer uma contradição, mas na realidade, é o oposto. O interesse não reside na crença no sobrenatural, mas na arte de o criar. O que me fascina é o savoir-faire de um autor ou realizador para construir uma atmosfera de suspense e ansiedade, e levar-nos ao limite do terror psicológico. E poucos o fizeram tão bem como Guy de Maupassant em "Le Horla".

Escrito em 1887, este conto não é apenas uma história de terror — é um grito de socorro, uma descida aos abismos da loucura. Maupassant, que já lutava contra a sua própria sanidade, deu-nos um vislumbre do inferno pessoal que vivia. A história, contada na primeira pessoa através de um diário, narra a progressiva deterioração de um homem de bem, cuja vida tranquila é virada do avesso por uma presença invisível.

O narrador sente-se observado, atormentado por pesadelos e pelo misterioso desaparecimento de água e leite. Tenta encontrar explicações lógicas, mas a sanidade vai-se esfarelando à medida que a entidade, a que dá o nome de "Horla", ganha poder sobre ele. O medo não é do monstro, mas da perda de controlo, da fragilidade da mente humana perante algo que não se pode ver ou tocar. A forma como Maupassant faz sentir a paranoia e o desespero do protagonista é eficaz. É a mecânica do terror no expoente máximo.

O que torna "Le Horla" arrepiante é o facto de a loucura do narrador misturar-se com a do próprio autor. As alucinações, o medo do desconhecido, a sensação de o corpo e a mente estarem a ser invadidos — todos estes elementos ecoam a luta de Maupassant contra a sífilis e o colapso mental que acabaria por o levar à morte.

No final, o protagonista tenta destruir o Horla incendiando a própria casa, mas o conto termina com a terrível revelação de que o Horla é uma "outra forma de ser", uma criatura superior que não pode ser facilmente eliminada. É um final aberto, perturbador, que nos deixa a questionar se o narrador é realmente louco ou se, na sua loucura, descobriu uma verdade assustadora sobre a existência.

Para mim, "Le Horla" é a prova de que o fantástico não precisa de ser sobre o mundo sobrenatural, mas um espelho para a essência humana. E que, por vezes, a coisa mais assustadora que se pode encontrar não está fora de casa, mas dentro da própria mente. 

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