Num tempo em que os relatórios científicos acumulam-se como epitáfios do planeta, a arte ergue-se como uma linguagem de resistência, cuidado e transformação. Mais do que uma expressão estética, ela torna-se território ético, ferramenta política e instrumento ecológico. A crise climática, que ameaça não apenas os ecossistemas mas também as culturas, as identidades e os modos de vida, exige uma resposta que vá além da técnica — exige imaginação coletiva. E é nesse espaço que artistas como Joseph Beuys, Sebastião Salgado, e tantos outros a operarem na intersecção entre arte e natureza, revelam o poder da criação como gesto de cura.
Em 1982, Beuys propôs a plantação de 7000 carvalhos em Kassel, cada um acompanhado por uma coluna de basalto. A obra, intitulada “7000 Eichen – Stadtverwaldung statt Stadtverwaltung”, não era apenas paisagística — era profundamente política. Beuys via a arte como escultura social, onde cada cidadão é coautor da transformação do mundo. Ao plantar árvores, ele plantava ideias: de regeneração, de participação, de resistência à lógica urbana que separa o humano do natural.
A obra de Beuys inscreve-se na tradição da land art, mas subverte o seu carácter contemplativo ao propor uma ação coletiva e duradoura. A floresta que cresce é também uma metáfora da consciência que se expande. Beuys não queria apenas mudar a paisagem — queria reflorestar o pensamento.
Décadas depois, no Brasil, Sebastião Salgado enfrentava uma devastação pessoal e ambiental. Após anos a documentar o sofrimento humano — da guerra à migração forçada — regressou à fazenda da família em Minas Gerais e encontrou um cenário árido. Com sua esposa, Lélia Wanick Salgado, decidiu plantar uma floresta. Nascia o Instituto Terra, que já recuperou centenas de hectares da Mata Atlântica, devolvendo vida a nascentes, fauna e flora.
Mas Salgado não deixou de fotografar. Em séries como Gênesis, ele revela a beleza intacta de ecossistemas ameaçados, povos indígenas e paisagens remotas. A sua fotografia é testemunho e alerta, documento e oração. Ao unir imagem e ação, Salgado mostra que a arte pode ser denúncia e cuidado, memória e futuro.
Além de Beuys, outros artistas da land art contribuíram para a consciencialização ambiental. Robert Smithson, com a Spiral Jetty, inscreveu uma espiral de rochas no Grande Lago Salgado, evocando a relação entre o tempo geológico e a intervenção humana. Nancy Holt, com Sun Tunnels, criou estruturas que dialogam com o sol e o deserto, revelando a beleza dos ciclos naturais.
Esses artistas não pretendiam apenas modificar a paisagem — queriam revelar a sua fragilidade, expor a temporalidade, convidar à contemplação ativa. A land art, ao deslocar a arte dos museus para o território, transforma o solo em tela, o vento em pincel, o tempo em matéria.
Nos últimos anos, surgiram artistas que ampliam essa tradição com práticas mais diretamente ligadas ao ativismo climático. Olafur Eliasson, por exemplo, trouxe blocos de gelo da Groenlândia para o centro de Londres em Ice Watch, permitindo que o público tocasse o derretimento em tempo real. A obra é uma experiência sensorial e política: o gelo que derrete nas mãos é o planeta que escapa entre os dedos.
Agnes Denes, pioneira da arte ecológica, plantou um campo de trigo em Manhattan em 1982 (Wheatfield – A Confrontation), confrontando o valor da terra com o valor do capital. A obra é um manifesto silencioso contra o desperdício, a desigualdade e a desconexão urbana.
Esses artistas não representam apenas a crise — intervêm nela, provocam, mobilizam. A arte torna-se ação direta, performance ambiental, educação sensível.
A crise climática não é apenas uma questão de carbono — é uma crise de perceção, de valores, de narrativas. Os dados existem, mas não comovem. As estatísticas alertam, mas não transformam. É preciso sentir o colapso, ver o desaparecimento, imaginar o que ainda pode ser salvo.
A arte, nesse contexto, é ponte entre o saber e o sentir. Ela traduz o invisível, dá forma ao impalpável, mobiliza afetos que a razão isolada não alcança. Ao mostrar o que está em risco — seja uma floresta, uma cultura, uma nascente — a arte convoca à ação.
Joseph Beuys plantou carvalhos como quem planta ideias. Sebastião Salgado plantou árvores como quem planta esperança. Robert Smithson desenhou espirais como quem desenha o tempo. Olafur Eliasson derreteu gelo como quem derrete certezas. Todos, à sua maneira, mostram que a arte pode ser semente e raiz, denúncia e cuidado, memória e ação.
Num mundo em que os oceanos sobem e as florestas ardem, a arte pode ser o que resta — ou o que renasce. Ela não substitui a ciência, mas complementa com sensibilidade. Não resolve o colapso, mas prepara o terreno para a mudança. E talvez, no silêncio de uma árvore que cresce ou no olhar de uma criança que vê uma fotografia, esteja o início de um novo mundo.
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