Há alguma melancolia em assistir a “Mistério em Veneza”, não apenas pela atmosfera gótica que Kenneth Branagh tenta imprimir a este terceiro capítulo da sua trilogia com Poirot, mas sobretudo pela sensação de que estamos perante um cineasta que, em tempos idos, justificou merecida atenção.
Na juventude Branagh reinventara Shakespeare para o grande ecrã com a paixão e rigor, agora esquecidos nestes projetos que, embora tecnicamente competentes, carecem de ambição artística.
A escolha de Veneza como cenário é, à primeira vista, irresistível. Os canais sombrios, os palácios em decadência, a névoa que se insinua pelas vielas — tudo parece conspirar para um mistério envolvente. Mas essa beleza é enganadora. A história original de Agatha Christie, Hallowe’en Party, decorre numa pacata vila inglesa, onde o horror convive com a banalidade do quotidiano. Ao transplantar a narrativa para Veneza, o filme troca a tensão psicológica pela ornamentação visual, como quem tenta disfarçar a fragilidade do enredo com uma máscara de carnaval.
Branagh, que em “Henrique V” ou “Hamlet” demonstrava uma compreensão visceral da linguagem e da emoção, parece agora mais interessado em compor quadros bonitos do que em explorar a complexidade de Poirot ou seus interlocutores. O elenco, embora competente, não tem o peso dramático dos filmes anteriores, e a investigação desenrola-se com uma previsibilidade que nem o cenário consegue redimir.
Há, portanto, uma dupla desilusão: a de ver um realizador outrora brilhante acomodado a fórmulas estéticas e narrativas convencionais, e de assistir a uma adaptação que prefere o exotismo à fidelidade, o cartão-postal à inquietação.
“Mistério em Veneza” entretém sem interpelar, muito menos desafiar. E isso, vindo de Branagh, constitui em si um mistério: como alguém, que chegou a ser considerado um putativo sucessor de Orson Welles pôde cair tão baixo.
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