Sempre dei a Simone Beauvoir o crédito pela tese de não se nascer mulher, sendo esta uma condição (social) que se adquire. E, no entanto, duas décadas antes já Margaret Mead, com o ensaio sobre os usos e costumes das sociedades primitivas, dava uma demonstração antropológica dessa tese. Numa altura em que as direitas extremas procuram enfatizar as virtudes da "masculinidade" nas sociedades ocidentais vale a pena voltar a ambas as escritoras para desmascarar as falácias misóginas.
Mead fez o que Beauvoir, como filósofa, não podia fazer: levou a tese do papel social do género para o campo da prova empírica. Em "Sexo e Temperamento em Três Sociedades Primitivas", ela confrontou a sua própria cultura com a diversidade da natureza humana. Observando as comunidades da Nova Guiné, Mead encontrou sociedades onde o que era "masculino" ou "feminino" invertia-se ou simplesmente desaparecia.
Nos pacíficos Arapesh, por exemplo, tanto homens como mulheres eram criados para serem afáveis e cooperativos, com uma abordagem "maternal" à vida. Agressividade ou competitividade eram vistas como desvios e não como traços inerentes a qualquer sexo. Já nos Mundugumor, o quadro era o oposto: ambos os sexos eram educados para serem agressivos, competitivos e desconfiados. Os homens não detinham o monopólio da agressão, nem as mulheres o da mansidão. Por fim, nos Tchambuli, Mead encontrou a inversão mais radical dos papéis ocidentais: as mulheres eram as líderes pragmáticas, que controlavam o comércio e a pesca, enquanto os homens passavam o tempo em rituais artísticos e na busca pela aprovação feminina.
A lição de Mead é que não existe um temperamento intrinsecamente "masculino" ou "feminino". Os traços que valorizamos na nossa sociedade, como a força e a liderança no homem e a empatia e o cuidado na mulher, são, afinal, construções culturais arbitrárias. Ao demonstrar que a humanidade é capaz de uma infinita variedade de configurações de género, Mead esvazia o argumento central de qualquer ideologia misógina que defenda o "regresso" a um suposto estado natural de masculinidade. A ideia de que existe uma "natureza" do homem ou da mulher, à qual se deve obedecer para o bem da sociedade, é revelada como uma ficção, uma ferramenta para justificar a manutenção de um poder desigual.
Em última análise, tanto Mead como Beauvoir oferecem a mesma arma: o conhecimento de que o género é uma construção, não um destino. As suas obras continuam a ser a resposta mais lúcida àqueles que procuram aprisionar homens e mulheres em caixas pré-fabricadas.
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