Confesso nunca ter tido grande empatia por Michael Douglas como ator, embora em algumas fases da sua carreira tenha produzido ou interpretado títulos significativos para pôr em questão os grandes interesses financeiros e industriais. Mas o pai, de cuja sombra tanta dificuldade teve em sair, merece-me outra admiração ou não tivesse tido a coragem de enfrentar e derrotar o macartismo em Hollywood. Foi, pois, nesse estado de espírito que vi o documentário "Michael Douglas, o filho prodígio", que Amine Mestari realizou.
O documentário aborda a complexa relação entre pai e filho, mostrando como Michael Douglas teve de navegar não apenas entre o peso do legado paterno, mas também entre as próprias aspirações artísticas e comerciais. Mestari constrói o retrato de um homem que, paradoxalmente, conseguiu escapar e honrar a herança familiar.
A narrativa documenta os primeiros anos difíceis de Michael como ator, marcados pela ansiedade de palco e pela dificuldade em encontrar a própria voz artística. É revelador descobrir como a experiência numa série televisiva, "The Streets of San Francisco", foi determinante para superar esses medos iniciais, funcionando como uma verdadeira escola prática que lhe permitiu desenvolver a confiança diante das câmaras.
Um dos aspetos do documentário é a forma como ilustra a ironia do destino: Kirk Douglas, apesar de ter comprado os direitos de "Voo Sobre um Ninho de Cucos", nunca conseguiu concretizar o projeto cinematográfico. Coube ao filho materializar essa visão, e transformá-la num dos filmes mais aclamados da história do cinema, valendo-lhe o primeiro Óscar.
Mestari não romantiza a trajetória de Michael Douglas, abordando com franqueza os problemas pessoais, incluindo o divórcio dos pais na infância, as dependências de álcool e drogas que culminaram no internamento em 1992, e a luta contra o cancro da língua em 2010. Estes episódios são apresentados como elementos que moldaram a personalidade e as escolhas artísticas do ator.
Particularmente interessante é a análise da década de 1980, onde Douglas navega entre o entretenimento mainstream e o comentário social. "Wall Street" proporcionou o papel da sua vida - Gordon Gekko tornou-se um ícone cultural, simbolizando os excessos capitalistas da era Reagan. O documentário sugere que este não foi um papel para se libertar da sombra paterna, mas a demonstração madura de um artista já consolidado.
O filme de Mestari também explora a evolução política de Michael Douglas, desde o despertar social com "The China Syndrome" até ao envolvimento como Mensageiro da Paz das Nações Unidas. Esta dimensão ativista, particularmente no desarmamento nuclear e controlo de armas, revela um homem genuinamente preocupado com questões globais, seguindo o exemplo paterno de coragem cívica.
"Michael Douglas, le fils prodige" consegue equilibrar o retrato íntimo e a análise cultural mais ampla. Mestari não se limita a contar a história de uma celebridade, mas utiliza a trajetória de Douglas filho para refletir sobre temas universais: a herança familiar, a busca da identidade, os custos do sucesso e a possibilidade de redenção pessoal.
O documentário deixa-nos com uma perspetiva renovada sobre Michael Douglas - não apenas como o ator de thrillers dos anos 80 e 90, mas como um artista complexo que soube transformar as vulnerabilidades em força criativa. E como conseguiu honrar o legado paterno sem deixar-se definir por ele, criando o seu próprio lugar na história do cinema americano.
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