domingo, agosto 03, 2025

As perguntas sem resposta de Robert Wilson

 

A morte de Robert Wilson marca o fim de uma era singular na arte contemporânea. Aos 83 anos, o encenador partiu deixando-nos um legado que transcende as fronteiras convencionais entre disciplinas artísticas, um corpo de trabalho que funcionou como resistência poética à crescente racionalização do mundo.

Quem teve o privilégio de assistir aos espetáculos de Wilson sabe que a experiência ia muito além do teatro tradicional. Eram criações onde o tempo dilatava-se, a palavra libertava-se da narrativa linear e a luz era tão protagonista quanto qualquer intérprete. Em obras como "Einstein on the Beach" ou "The Black Rider", Wilson criava universos regidos por lógicas próprias, espaços onde o mistério não era um obstáculo à compreensão, mas a própria essência. Eram espetáculos que não procuravam ensinar ou doutrinar – mas encantar, suspendendo temporariamente as nossas certezas.

Wilson revelou-se profundamente contemporâneo, mesmo quando as referências pareciam arcaicas, pois toda a obra pode ser lida como defesa da arte enquanto território indomável, lugar onde o inexplicável não só pode como deve prosperar.

As colaborações com Philip Glass, Tom Waits, Willem Dafoe, Arvo Pärt e Marina Abramović não foram parcerias ocasionais, mas encontros entre criadores afins – artistas que partilhavam a convicção de que a arte deve preservar zonas de sombra numa época de excessiva iluminação. Glass com os ciclos hipnóticos que alteram a perceção temporal, Waits com as baladas de mundos impossíveis, Abramović com as explorações dos limites da consciência todos eles, como Wilson, guardiões de mistérios que a racionalidade não consegue dissolver. Wilson recordava-nos que a arte pode e deve ser também um espaço de contemplação, de estranhamento produtivo, de questões sem resposta. Os espetáculos funcionavam como meditações visuais e sonoras que remetiam para uma relação mais primitiva e, paradoxalmente, mais sofisticada com o mistério.

Com a partida de Wilson, perdemos não apenas um criador singular, mas um modo cada vez mais raro de fazer arte. A sua obra escapa à lógica utilitária de que nem tudo precisa de ser útil ou explicável para ser essencial. Esta posição não era escapista, mas expressão de humanismo: a arte como último espaço onde a complexidade irredutível da experiência humana pode encontrar expressão. O teatro de Robert Wilson ensinava-nos que há conhecimentos só tangíveis através do assombro, verdades que só se revelam na suspensão temporária da razão.

Em suma o maior mistério que Wilson legou é lembrar-nos da beleza das perguntas que não têm solução. 

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