quinta-feira, agosto 21, 2025

As mãos como mais ninguém as fotografou

 

Desde que a obra me passou debaixo dos olhos, sempre dediquei atenção merecida a cada uma das fotografias de Tina Modotti episodicamente surgidas como um desafio ao meu olhar. Não só por ser comunista numa altura em que uma intensa barragem ideológica de quem ganha com a sobrevivência deste capitalismo decadente ainda não tivera tão lamentável sucesso, mas também pela beleza estética dos seus enquadramentos. Tenho por mim, que foi ela a melhor representar as mãos com a sua arte.

As mãos de Modotti não são meras anatomias capturadas pelo obturador – são manifestos visuais, declarações silenciosas de uma época em ebulição. Quando observamos "Manos de marionetas" ou as célebres fotografias de mãos operárias, não vemos apenas dedos e palmas, mas toda uma filosofia materialista condensada em carne e osso. Cada ruga, cada calo, cada gesto suspenso no tempo torna-se símbolo de resistência contra um sistema que insiste em desumanizar quem produz a riqueza.

A fotógrafa italiana-mexicana possuía um dom raro: transformar o político em poético sem jamais trair a urgência da mensagem. Os enquadramentos revelam uma compreensão profunda de que a verdadeira beleza reside na autenticidade da luta quotidiana. Não há glamour nas suas imagens, mas há uma dignidade feroz que atravessa décadas e continua a incomodar os defensores do status quo.

Modotti compreendeu que a câmara podia ser uma arma de combate ideológico tão poderosa quanto qualquer panfleto ou discurso. As fotografias de trabalhadores, de manifestações, de símbolos revolucionários, não documentam apenas – denunciam, celebram, convocam. Há nelas um apelo direto à consciência do observador, um convite à reflexão sobre as estruturas de poder que persistem em oprimir os mais vulneráveis.

A atualidade das imagens de Tina Modotti é perturbadora. Num tempo em que as desigualdades se aprofundam e os direitos laborais retrocedem globalmente, a sua obra ressurge como profecia cumprida. As mãos que ela fotografou continuam a trabalhar, a lutar, a resistir – talvez com instrumentos diferentes, mas com a mesma necessidade histórica de transformação social que ela soube captar como mais ninguém.

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