Ramon Mercader foi desafiado para a grande missão da sua vida, quando estava a combater na Guerra Civil de Espanha. Vinda de Kotov, é a mãe, Caridad, quem lha transmite. Ora ela é uma força da natureza, anarquista nas ideias e consumidora de drogas.
Aos doze anos, Ramon e os irmãos tinham-se dissociado do conforto da casa familiar, onde tinham sido sempre mimados, para acompanharem a mãe na fuga para Paris, com escala em Dax. Oo padrão de vida aristocrático em que sempre vivera, tornara-se insuportável para Caridad, decidida a apostar nas aventuras das lutas revolucionárias, mesmo que isso implicasse a sujeição dos filhos à mais extrema miséria. Embora viesse a regressar à custódia paterna, a ideia de um mundo diferente, virado do avesso, nunca mais se separaria do rapaz.
Exilado em Prinkipo, nos arredores de Istambul, Liev Davidovitch não imaginava o destino, que Estaline lhe preparava. Apoquentava-o o suicídio de Maiakovski, que confirmava o definitivo divórcio entre a arte e o modelo de regime, que se consolidava em Moscovo. Apesar de vários jornais europeus publicarem o artigo em que qualificava o rival de «coveiro da Revolução«, não se podia mais só na luta contra onovo czar investido de falsas vestes bolcheviques.
Quando Estaline já pusera todos os contactos internacionais a ostracizarem qualquer contacto com ele, doravante crismado de «inimigo da Revolução«, Liev recebera a breve visita de Blumkin, um jovem que fora seu colaborador e regressava a Moscovo depois de uma missão pela Ásia. A notícia do seu fuzilamento na prisão de Lubianka, dois meses depois, servia como aviso a quem se atrevesse a qualquer novo contacto com o proscrito.
Quando perfez um ano de estadia à beira do Bósforo, Liev Davidovitch fez contas às derrotas e deserções e o resultado revelou-se calamitoso. Nessa altura, com outro distanciamento, pôde arrepender-se de alguns dos seus erros e excessos. Como o de ter mandado reprimir a insurreição dos marinheiros da base de Kronstadt em março de 1921, cujas reivindicações lhe pareciam afinal plenas de sentido. Nesse lamentável episódio a Revolução começara a devorar os próprios filhos e fora ele quem dera a ordem de abrir o banquete.
Para agravar as angústias, nesse ano de 1930, Hitler consegue seis milhões de votos nas eleições alemãs, prenunciando-se a horrenda ascensão, que mergulharia o mundo no caos e destruição. Estranhamente só ele parecia antever o que significa esse acontecimento!
É toda essa história que Ivan vai contando a Ana, enquanto ela vai resistindo ao desenlace da sua doença fatal. O título do livro de Leonardo Padura, que faz dele o narrador - «O Homem que gostava de cães» - é o mesmo de um conto de Raymond Chandler, que andava a ler por essa altura. E associara-o ao homem que vira a passear dois galgos russos na praia de Santa Maria del Mar em março de 1977 e não compreendera a sua verdadeira identidade.
A exemplo de Liev Davidovitch, Ivan era um exilado dentro da sua ilha natal porque, em 1973, quando concluíra a licenciatura, tinham-lhe dado emprego em Baracoa, uma espécie de Sibéria tropical, onde se encarregaria da direção do Boletim Veterinário. O afastamento de Havana devia-o a ter discordado de dois dos seus melhores professores terem sido demitidos, porque se haviam confessado católicos, e não ter visto nenhum problema no facto de outra docente viver numa relação amorosa com uma mulher. A pedra de toque fora, porém, a tentativa de publicar um conto numa revista de estudantes, e tê-lo visto avaliado como profundamente contrarrevolucionário pelo seu diretor. Estavam criadas as condições para se interessar pelo destino trágico de quem inspirara os movimentos trotsquistas...
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