terça-feira, dezembro 04, 2018

(DIM) «We can't go home again»: o testamento cinematográfico de Nicholas Ray


Em 1962 Nicholas Ray estava a realizar o filme com maior orçamento, que Hollywood lhe atribuíra até então -  «55 Dias em Pequim» - quando se sentiu mal e teve de ser substituído por Andrew Morton e Guy Green na restante rodagem. O fracasso comercial do filme ditou a condição de proscrito pela indústria cinematográfica de que fora um dos maiores expoentes.

Anos depois, durante um concerto dos Grateful Dead em Nova Iorque, Ray encontrou Dennis Hopper, que o convidou a juntar-se-lhe no rancho do Novo México onde estava a concluir a pós-produção do seu «The Last Movie». Terá sido por influência do amigo, que Ray encontrou emprego como professor no Harpur College of Arts and Sciences na Universidade de Binghampton. Será aí que, entre 1971 e 1973, Ray estabelecerá uma grande cumplicidade com um grupo de estudantes com quem roda o filme experimental «We Can’t Go Home Again», em cuja montagem trabalhará até à morte em 1979.
Para quem vê o filme à distância de quarenta anos pode sentir-se desconcertado: à primeira vista é uma sucessão de imagens sem ligação aparente umas com as outras, com discussões estudantis pelo meio. O conceito depressa se apercebe: é como se estivéssemos perante o ecrã de um drive in, tendo como plano recuado uma sucessão de projeções que vão mudando, com sons e imagens a misturarem-se indistintamente sem que percebamos de onde muitas delas surgem. Há também Ray como professor a ajudar os alunos na preparação dos trabalhos práticos de realização entrecruzados pelos ecos da atualidade americana perspetivados por imagens de arquivo. Conclui-se, então, que estamos perante uma autoficção documental, em que a relação de um professor com os estudantes surge enquadrada na realidade social e politica norte-americana do final dos anos 60.
Apesar de baseado num conceito experimental sente-se a espontaneidade daqueles estudantes, que interpretam os próprios papéis e expõem as aspirações e receios quanto ao devir que enfrentarão, tendo o professor a incentivá-los em off: “Make me believe in you”.
Trata-se de um filme testamentário e pode ser visto na sessão da noite da Cinemateca.

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