No Festival de Cannes de 2017 esteve em foco o escândalo suscitado pelo filme coreano de Bong Joon-ho - «Okja» - por ser produzido pela Netflix, que cinge aos seus assinantes as obras em que investe. Ora, segundo a legislação francesa, se a Netflix estrear um filme nas salas de cinema terá de esperar três anos antes de o poder exibir na sua plataforma digital, razão para ter decidido sonegar o filme ao circuito de distribuição convencional.
O escândalo era esse: os distribuidores e os que exploram as salas de cinema viram na estratégia da Netflix uma provocação dada a quebra de espectadores , que lhes vem pondo em causa a rentabilidade do negócio. Deveria permitir-se que um festival de cinema selecionasse um filme condenado a nunca ser exibido onde ele deveria estar destinado? Dito de outra forma, será que um filme que não é visto nos cinemas pode ser considerado obra cinematográfica? Eis uma polémica própria do século XXI, que lembra uma outra ocorrida por altura da invenção do cinema, e às opções diferenciadas, então escolhidas por Thomas Edison e pelos irmãos Lumière.
Tínhamos visto os pioneiros da nova arte condicionados pelas suas placas de vidro fotográficas, incapazes de adaptarem-se às exigências da imagem animada. Em 1888, em Nova Iorque, um homem estava prestes a resolver-lhes o impasse e possibilitar um novo impulso, que tornasse possível o espetáculo cinematográfico. Chamava-se George Eastman e fabricava suportes fotográficos. A sua intenção não era acorrer em ajuda a Edison, Marey ou Reynaud, mas a de democratizar a fotografia. Não sonhava animar as imagens, mas meter uma câmara fotográfica nas mãos de cada compatriota. E não se tratava de tarefa fácil: até ao fim dos anos setenta do século XIX era necessário induzir uma emulsão química numa placa de vidro para conseguir um suporte fotográfico, obrigatoriamente usado na meia-hora seguinte sob pena de ficar inutilizado. E para o cliché seguinte teria de se reiniciar o mesmo processo de fabrico.
Desenvolveram-se então novos métodos à base de uma gelatina de brometo de prata, que possibilitou a Eastman a criação de placas secas prontas a serem utilizadas a partir de um armazenamento mais prolongado. Mas as câmaras fotográficas continuavam a ser volumosas e pesadas, enquanto as placas de vidro se revelavam muito frágeis. Ora, Eastman queria que os clientes se limitassem a carregar num único botão, reservando para si a revelação das fotografias captadas.
John Carbutt teve, então, a ideia de substituir o suporte de vidro por uma invenção dos anos 50, o celuloide, que era um plástico artificial criado a partir de um nitrato de celulose e de cânfora. Tinha excelentes características: leve, transparente e menos frágil que o vidro. Ademais podia ser acondicionado em rolos, permitindo tirar várias fotografias de seguida sem ter de substituir a bobina. Em suma: o plástico era fantástico, mas tinha o grave inconveniente de pegar facilmente o fogo de forma espontânea sem a intervenção de uma qualquer fonte de ignição. Não só se conservava mal, como acabava por se autodestruir. Apesar desses óbices, Eastman conseguiu um enorme sucesso com a máquina fotográfica, que já trazia a película incluída, a Kodak.
Quando Dickson e Edison constataram a existência do celuloide, acorreram à fábrica de Eastman para assegurarem a sua colaboração. Mas se o formato do fabricante de rolos fotográficos era o de 70mm, Edison considerou adequado o de 35 mm, que serviria de bitola nas décadas seguintes.
Ter rolos de película não bastava, porém, para as fazer desfilar por trás de uma objetiva e ter um filme. Se tal se tentasse só se veria uma imagem continuamente desfocada por esse movimento da película. Ora, cada fotograma deveria ser perfeitamente nítido. Daí que se justificasse a exposição da película à luz, quando ele se imobilizava perante a objetiva. Uma vez obtida a captação, seria necessário esconder a película da objetiva até ao fotograma seguinte. E garanti-lo 24 vezes por segundo. Ou 16 ou 18 na época de Edison, quando ainda não se fixara esse padrão.
Em 1889 Dickson e Edison criaram orifícios de um e outro lado da película para que carretos pudessem assegurar-lhe uma movimentação contínua e uniforme, estabelecendo igualmente o padrão do formato tipo paisagem, mais largo que alto, com uma proporção de 4/3. Durante décadas ele seria o convencionado pela indústria do cinema, que só o alteraria para 16/9, quando surgiu a alta definição.
Restava definir o mecanismo, que permitiria o avanço intermitente da película. Para tal, Dickson adaptou sistemas utilizados na relojoaria, que funcionariam movidos por um motor elétrico e eletroimãs.
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