A última semana de 2018 trouxe a notícia da morte de Amos Oz e o consequente empobrecimento dos defensores da paz na região, porque, apesar de quase octogenário e vitimado por um cancro, o escritor era uma espécie de consciência moral de quantos discordam do rumo seguido por quem vem deslegitimando a herança de um povo, justamente admirado por tudo quanto sofreu, mas agora apostado em replicar com os vizinhos as malfeitorias sofridas em tantos séculos de História. Os crimes na Cisjordânia ou em Gaza têm sido tantos, que a comparação com o apartheid ou a escravatura ganham crescente sentido, quando se analisam as lutas de classes em Jerusalém, em Telavive e por todo o território disputado pelos dois povos, quer o atribuído a Israel em 1948 sob o beneplácito das Nações Unidas, quer o dos territórios ocupados de que os usurpadores não querem largar a mão.
Oz dizia estarem certos os que pelejam num e no outro lado. E também errados, porque judeus e palestinianos não têm mais para onde ir e a única solução será a de se entenderem na solução de dois Estados, que esteve tão próxima, mas ficou entretanto tão distante.
O escritor também desprezava a importância de correr mundo para mais facilmente se ser escritor. Bastava-lhe um olhar atento em volta para, nos rostos e reações dos presentes, encontrar matéria para inesgotáveis narrativas. Sobretudo sobre famílias infelizes, porque sabe-se bem como as outras, as felizes, não têm história. Oz confessava nunca se cansar de, num aeroporto ou num outro sítio onde pudesse observar o grande espetáculo do mundo, a tal tarefa se entregar.
A idade ia-lhe, entretanto, amaciando as antigas revoltas, sobretudo contra a mãe, que se suicidara tão precocemente, ou focalizadas no pai, incapaz de lhe impedir essa intenção. Por isso escolhera sair de casa aos 14 anos e trabalhar num kibutz, onde se fez socialista, mas tamb´m comprovou a impossibilidade de uma igualdade plena entre todos os elementos de um mesmo coletivo. Ser-se humano implica diferenciar-se de todos os demais, o que põe em causa a utopia de ver integralmente esbatidas quaisquer formas de diferenciação. Curioso era constatar a frequência significativa com que se via devolvido a essa vida comunitária, quando lhe acontecia recordar-se dos sonhos noturnos. Porque seriam mais fortes as vivências de muitas décadas atrás em relação às dos tempos próximos, também eles ricos em dissabores e ilusões, alegrias e irremediáveis perdas?
Nos últimos fulgores criativos escreveu sobre a própria família, recuando duas gerações para ir ao encontro dos antepassados dos anos 30, que intimidados pelo crescente antissemitismo europeu, emigraram da Europa para a Palestina, escapando assim ao morticínio da década seguinte.
Nunca fizera da guerra tema dos seus livros, apesar de ter combatido cinquenta anos atrás. Para escusar-se ao reencontro dos fantasmas nelas conhecidos, sob a forma de cadáveres estropiados ou de corpos assustadoramente feridos. E porque muito mudara desde então, transformando-lhe definitivamente a sua identidade.
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