Dos livros tipo melhoral (“não faz bem, nem faz mal”), os que mais me divertem são os de Stephen King. Vertidos para cinema ou séries televisivas, o resultado tem sido fracote - com exceção da investida de Kubrick no «The Shining» - mas muitos desses romances têm tido o condão de me agarrarem de fio a pavio, não os largando senão quando é chegada a última página. Como entretenimento sem grandes exigências, recomenda-se...
Não se tratando de uma das suas melhores obras, «Cujo» deu-me a inolvidável experiência de o ter comprado em versão castelhana numa livraria de Buenos Aires, e não o ter largado na noite seguinte, quando o paquete «Funchal» rumava até Montevideo, acabando-o mesmo a tempo de vestir a roupa de trabalho e descer à casa das máquinas para as manobras de atracação na capital uruguaia, estava a manhã a romper.
Publicado em 2012, «A Lenda do Vento» é uma sequela do ciclo da «Torre Negra» e replica três universos distintos: o das «Mil e uma Noites» em que as histórias se encadeiam através de personagens de uma aventura a contarem, de permeio, as vicissitudes experienciadas por outros; o de Lovecraft com seres reptilianos a ameaçarem quem ousa penetrar-lhes no território; e o de Tolkien com miúdos decididos a empreenderem a busca do que entendem ser imprescindível. Mas outras referências são, igualmente, chamadas à colação, nomeadamente as decorrentes de sucedâneos dos Cavaleiros da Távola Redonda.
O que mais estimula neste tipo de leitura é o facto de, aceitando estar-se num universo de fantasia, todas as lógicas ficarem comprometidas: há homens, que se transformam em monstros, e vice-versa - encontrando-se aqui um Merlin liberto de um encantamento maléfico, nele induzido, quando estava bêbedo.
O tempo é o de um futuro distante - ou se calhar não tanto! - em que a Terra, ou pelo menos os Estados Unidos - mergulharam em inexplicada distopia. Há pistoleiros, que cumprem a função outrora reconhecida aos xerifes, e furacões de uma ferocidade como ainda não é propriamente conhecida nos atuais. A história, que dá título ao livro e lhe ocupa metade das páginas, é contada por Roland (outro nome integrado na mitologia arturiana) aos membros do seu ka-tet: um miúdo de onze anos tem de vencer desafios muito para além do que ditariam as limitadas capacidades, procurando nas profundezas da Floresta a cura para a cegueira da mãe. Esta fora violentamente agredida pelo padrasto, entretanto desmascarado por ele como assassino do pai, porque nunca se conformara ter-se visto preterido pelo sócio e rival no acesso ao leito da bela Nellie.
A viagem de Tim é iniciática, vencendo sucessivos obstáculos, que tanto podem ser dragões como répteis tenebrosos escondidos nas águas pantanosas, e contando com a providencial ajuda de seres mutantes condenados a iminente extinção.
Com esse enredo associa-se outro, o do desmascaramento e eliminação de um terrível homem-pele, que não é mais do que um mineiro tocado por sinistro sortilégio no buraco fundo em que ele e outros «salgados» vivem num regime de quase escravatura. Depois de semear a morte e o pânico em torno de uma convencional cidade do Oeste americano, é identificado por um miúdo da idade de Tim, que ganha, a seu exemplo, o estatuto de juvenil herói do romance.
E, por essa parte da história, ficam-se a conhecer as circunstâncias, que tinham levado Roland a ter cometido o involuntário matricídio, de que tomáramos conhecimento quase nas primeiras páginas do romance.
King confirma-se como um inesgotável contador de histórias, nelas inserindo subtis críticas ao que se vai passando na América capitalista em que vive. Não dá para iludir o facto de se tratar de um dos mais assumidos paladinos do Partido Democrata, costumando apontar aos republicanos argumentos mais contundentes do que os de Maomé a respeito do toucinho.
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