Richard Zimler já nos habituou a excelentes romances, que se leem com muito interesse por convidarem-nos a mundividências distintas das que usualmente conhecemos. Em «Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco», título que promete vir a ter continuação noutro romance já em elaboração, voltamos aos tempos difíceis do Holocausto acompanhando dois primos, que acabam por ser os únicos sobreviventes da família. Esta, habitando na Polónia, quando apanhada pela voragem da História, provinha dos Zarcos, que haviam vivido no canto mais ocidental da Europa, até se verem obrigados a refugiarem-se em terras distantes, quando a ameaça inquisitorial lhes pusera a vida em risco. Mas o ladino, dialeto com muito de português nele inscrito, continuava a ser razoavelmente compreendido e até falado, pelos avós e pais dos dois rapazes.
A construção do romance não obedece a critérios de linearidade cronológica, nem de focalização num só narrador. Cinco são os que assumem essa função nos seis capítulos, que se reportam a outras tantas épocas distintas, umas mais recuadas, outras mais próximas da atualidade, situadas entre 1944 e este ano de 2018, desafiando-nos a compor um puzzle complexo com uma variedade significativa de personagens. Por Benni acompanhamos os riscos da clandestinidade sob o jugo nazi, dando cada dia por ganho, mas com a morte sempre presente como ameaça real, não só para ele, mas também para quem o escondia. Ewa, a professora de piano, que muito a medo, decidira fazer os possíveis e os impossíveis para salvar o rapaz, assume uma heroicidade, que nem ela própria imaginava ter.
Shelly, o outro descendente dos Zarcos, que sobrevive ao genocídio, consegue escapar para a Argélia e radicar-se depois no outro lado do Atlântico, donde não desiste de encontrar algum parente ainda vivo. Infelizmente, nem a irmã, Ester, nem a avó Rosa, dotada de estranhos poderes extrassensoriais, se livraram do cataclismo, por muito que venham a assombrar o futuro dos primos muitos anos depois.
Para além dos protagonistas, outros ganham particular relevância, nomeadamente o amante de Shelly, que regressa à Europa para o ajudar na procura de Benni e ainda não se livrara do choque de quanto vira em Bergen-Belsen, quando participara como soldado aliado da libertação do campo de concentração.
Há também Teresa, a mãe de Ethan - o narrador do primeiro e do último capítulo do livro - e que suscitara em Benni um amor tão superlativo, que a sua morte quase o levara a deixar-se morrer de desgosto. Ou a tia Jules, que sempre se mostrara condescendente perante a voracidade sexual de Shelly, com quem casara. Ou sobretudo esse Berequias Zarco, que escrevera o pergaminho , que passara de geração em geração, e legado por Benni ao filho para que não fique esquecido o terrível progrom de Lisboa no século XVI, quando a mesma ameaça assassina quase eliminara a família.
Concluída a leitura do livro reaviva-se a nossa compaixão pelo sofrimento de milhões de judeus, assassinados pela intolerância antissemita de tantos povos e regimes ao longo da sua história milenar. Razão para, ainda mais nos escandalizarmos com o quanto as atuais autoridades governativas de Telavive delapidam um capital de simpatia, que as vítimas não mereceriam perder. Porque replicando contra os palestinianos o discurso de ódio, outrora utilizado pelos antissemitas contra si, só demonstram o quanto a História lhes terá ensinado tão pouco.
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