terça-feira, novembro 12, 2019

Diário de Leituras: Um livro sobre o fracasso e a saudade


«Tous les hommes n’habitent pas le monde de la même façon» valeu a Jean-Paul Dubois o Prémio Goncourt deste ano, cujo merecimento defendi num texto aqui postado alguns dias atrás.

O protagonista é Paul Hansen, nascido em Toulouse e emigrado no Canadá onde assegurou, anos a fio, a manutenção de um grande edifício até se ver condenado a dois anos de prisão por agredir quem viera perturbar-lhe a tranquila existência, vivenciada com a mulher e a sua cadela.
Numa entrevista à «Diacritik», Dubois apresenta-o, bem como ao desafio que o levara ao espaço concentracionário donde faz o balanço de tudo quanto fizera até então : “é um homem bom que vai ser confrontado a um administrador extremamente cínico, capaz de lhe tornar a vida insuportável. É um administrador do mundo moderno que racionaliza e se marimba para a história, desprezando os sentimentos existentes no interior do edifício, os elos humanos tecidos durante anos. É um «cost killer», uma espécie que emerge de uma cultura capitalista, apostada em cortar nos custos. Está-lhe na essência, na natureza. Há, pois, um crápula disposto a cortar cabeças, hábitos e relações humanas, que para nada servem e custam caro, até por serem desnecessárias num edifício. E tudo vai abanar: é o fim de um mundo e o nascimento de outro, que desregula todas as ligações sociais no interior de um espaço com sessenta e oito apartamentos.”
Ao descobrirmos a vida de Paul Hansen concluímos que ela decorreu maioritariamente entre dois espaços fechados - o da prisão e o do edifício. Se conhecera e casara com Winona, fora através da prestação de um serviço a um dos moradores do condomínio. Mas as fragmentadas memórias coincidem com o contexto histórico em que se situam: o pós-guerra, as revoluções de 1968, a crise dos subprimes, o escândalo do amianto. Eventos que constituíram momentos de charneira para o mundo ocidental. Mas vêm à colação as características dos precedentes romances de Dubois: o questionamento das opções estratégicas da América do Norte, o peso do passado e a forma como vamo-nos fazendo acompanhar pelos nossos mortos...

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