domingo, novembro 10, 2019

Diário das Imagens em Movimento: O Plano-sequência


A Arca Russa constituiu uma demonstração explícita do plano-sequência com a ininterrupta continuidade da mesma cena ao longo dos vários espaços, que integram o Hermitage. Durante oitenta minutos, guiados pelo narrador-realizador em voz off e pelo aristocrata francês do século XVIII, pudemos ver Alexander Sokurov concretizar aquilo que Alfred Hitchcock idealizara para A Corda, mas ainda não tinha meios técnicos que lho permitissem.

Ao longo da História do Cinema assistimos a planos-sequência antológicos. Lembremos, por exemplo, Matou (1930) de Fritz Lang em duas cenas, uma com um minuto e quarenta e a outra com quarenta segundos, em que a turba de malfeitores dirige-se à sua sede com a câmara a movimentar-se surpreendentemente depressa para a época. Mas a este filme voltaremos numa sessão ulterior, dado tratar-se daqueles que constituíram um marco na Sétima Arte.
Até à implementação das câmaras digitais o limite técnico era imposto pela maior das bobinas utilizadas (a de 300 metros no formato de 35mm), que possibilitava um máximo de 12 minutos. E a steadycam, surgida nos anos 70, também facilitou a tarefa aos cineastas apostados em explorarem o impacto semiológico do plano-sequência.
Em 1948, Alfred Hitchcock teve de arranjar uma engenhosa solução para fazer com que o seu filme parecesse rodado num único plano-sequência. Começa numa cena exterior em que se constata ser dia e tudo se passará no mesmo espaço interior onde a câmara nos leva até concluir-se com a noite caída sobre a cidade. No entretanto os personagens deambulam pelas diversas salas do apartamento em onze cenas com dez minutos de duração de forma a que, quando uma bobina acaba, a rodagem seguinte inicia no mesmo objeto em que ali se focalizara por breve instante ou num plano das costas de um dos personagens. A exemplo dos demais filmes do realizador em que sempre constitui um desafio descobrir onde está o seu cameo (e neste ele é particularmente difícil de encontrar!), A Corda pode ser apreciada não só pela estória em si, mas também pela deteção desses momentos de corte em que houve a necessidade de mudar a bobina.
Já estamos em condições de compreender quão diferente é um plano-sequência do longo plano tão comum no cinema de Manoel de Oliveira, porque pressupõe um movimento, normalmente de um personagem, através de um cenário ou de vários cenários. Ou do travelling, que corresponde a uma sucessão de movimentos quase sempre de transição entre duas cenas, embora no caso da abertura de O Ano Passado em Marienbad (1961) de Alain Resnais sirva para caracterizar o espaço onde o drama sentimental ocorrerá.
A concluir evoque-se ainda um conhecido plano-sequência falso em Olhos de Cobra (1998) de Brian de Palma em que os doze minutos iniciais resultaram de sete ou oito segmentos, interligados tão perfeitamente, e de acordo com a metodologia seguida no tal filme de Hitchcock, que só apreciando-os fotograma a fotograma se conseguem detetar os cortes.
(texto elaborado como material de apoio para a sessão de amanhã, dia 11, de «Histórias do Cinema» na Usalma às 14h30)

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