domingo, novembro 24, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Diários da Bósnia de Joaquim Sapinho (2005)


Não é por terem sido os muçulmanos a ganharem ascendente sobre os destinos dos bósnios, que justificam a minha antipatia apesar de terem sido dados como vítimas de sinistros criminosos. Porque quem vai à guerra dá e leva, decidindo-se no final que os derrotados eram os vilões e os vencedores os injustificados heróis. Na realidade entre uns e outros rarearam os anjos e primaram os demónios.
Nesse aspeto também me não afeta que, em Sarajevo, o som dos sinos tenha sido substituído pelos cantos dos muezzins a convocarem os crentes para a oração. Há muito que considero tão absurdo o islamismo, quanto o catolicismo, o judaísmo ou qualquer outra religião. O que não podemos ignorar é o paraíso para os traficantes de diversas redes criminosas desde a  declaração da independência desse pequeno país encravado entre croatas e sérvios.
Razões para não ser elevada a expetativa com que me dispus a ver o filme rodado por Joaquim Sapinho para dar testemunho das suas duas viagens à região, a primeira em 1996 e a segunda dois anos depois. Não era difícil adivinhar que estaria em causa a morte e destruição suscitada pelos exércitos em confronto, bem como as dificuldades dos sobreviventes em regressarem a casa depois de delas fugirem.
Narrado na primeira pessoa, o filme constituiu uma deambulação por uma terra que quase parece de ninguém, mas por onde ciranda quem procura colher novas referências identitárias num espaço transfigurado em relação aos equilíbrios conhecidos antes da intromissão ocidental despoletando ódios fratricidas. Porque, embora Sapinho de tal não queira saber, essa foi uma guerra congeminada pela CIA, pelo MI5, pelos serviços secretos alemães e sabe-se lá por quem mais para consolidarem a vitória na Guerra Fria possibilitada pela criminosa idiotice de Gorbatchov.
Sapinho está mais interessado nos pequenos gestos como se depreende da cena em que um capuchinho vermelho ziguezagueia na neve ou uma outra em que o outrora cuidado Museu de História Natural se viu entregue ao abandono.
Tomando Sebald como inspiração, Sapinho concebeu um filme sobre uma paisagem transformada pela guerra e onde as feridas tardarão a cicatrizar.

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