quinta-feira, novembro 07, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «David Crosby: remember my name» de A. J. Eaton (2019)


A idade foi-me fazendo apreciador preferencial de música clássica, embora sobrem alguns resquícios da juventude, quando colhia prazer do que os tops da pop music iam enaltecendo. Do final dos anos 60 até à Revolução de Abril - quando a música de intervenção, nacional ou internacional, a secundarizaram -, tinha particular predileção por alguns nomes, que ganharam marcada prioridade no primeiro gira-discos lá de casa. Se os primeiros discos adquiridos nas discotecas da Rua do Carmo foram os de Simon & Garfunkel e Leonard Cohen, depressa tomei os Crosby, Stills, Nash & Young como os mais repetitivamente escutados. Mais do que os Peter, Paul & Mary, os Beatles ou os Doors, eram eles quem me garantiam a ajustada banda sonora aos tratos de cabeça com o cálculo diferencial ou a geometria descritiva.
A possibilidade de ver o recém-estreado «David Crosby: Remember my name», produzido por Cameron Crowe, como obra testamentária de quem constituiu uma das quartas partes dos CSNY, era pois algo a não perder. Mesmo arriscando o facto de, sendo difícil repetir as gratas emoções de experiências felizes, não custar nada sempre tentar...
Nas primeiras imagens do documentário confirma-se a presumível razão para ter sido rodado: embora recuperado um certo fôlego, que o leva a fazer tournées em ritmo moderado, Crosby confessa ter já passado por dois ou ter enfartes, sofrer de diabetes e perspetivar no horizonte uma transplantação. Não admira que, aos 76 anos, considere precioso todo o tempo de que ainda possa dispor.
A partir desse introito, o filme segue uma lógica cronológica: em miúdo o jovem David começou por impressionar-se com a capacidade dos instrumentistas de uma orquestra clássica conseguirem soar em uníssono, replicando os mesmos movimentos nas cordas ou nos sopros. E adotou os Everly Brothers como quem mais gostava de ouvir.
Entrava então na problemática adolescência com as sucessivas expulsões por mau comportamento das escolas de Los Angeles e arrabaldes. Para o explicar atribui-o à indiferença do pai, um conceituado diretor de fotografia de Hollywood.
Em 1964 esteve na formação dos Byrds, que traziam a novidade do recurso às guitarras elétricas, conseguindo competir com os Beatles nos tops de vendas de discos. A versão de «Mr. Tambourine Man» foi um enorme sucesso, mas Crosby acabou despedido por tomar posições políticas, que os outros elementos não secundavam por nada quererem ter a haver com os valores da contracultura.
De repente, e sem nada que fazer, Crosby comprou um veleiro e passou algumas semanas no mar a espairecer. Por essa altura foi, igualmente, bafejado com inúmeras relações amorosas, mas à distância conclui ter tratado bastante mal as companheiras dado o reiterado egoísmo. Cass Elliot e Joni Mitchell foram duas delas. A outras induziu nas toxicodependências de cujos abismos acabaram por nunca regressar.
A formação dos Crosby, Stills & Nash aconteceu-lhe na melhor altura e o sucesso em Woodtock constituiu a ascensão ao mais elevado cume da carreira. Tanto mais que Neil Young logo se lhes juntou e, se a três, o efeito era excelente, com os quatro ainda melhor ficou. Sobretudo quando, pouco depois, a guarda nacional atirou a matar contra os estudantes, que se manifestavam contra a guerra do Vietname na Universidade de Kent, e o grupo foi ao estúdio criar um álbum combativo sobre os acontecimentos. Os CSNY colocaram-se assim na primeira linha dos músicos do seu tempo ao porem em causa a política norte-americana na Indochina.
 Mas a morte da namorada Christine, com apenas 21 anos, vitimada num estupido acidente de viação, aumentou-lhe a dependência da cocaína e da heroína, reduzindo-o a um farrapo. Se já vira partir alguns dos amigos - Jimi Hendrix, Janis Joplin - ainda hoje não sabe explicar como, arriscando-se tanto como eles nesse wild side, não lhes replicou o desfecho.
Sucederam-se os episódios controversos, que o colocaram nas primeiras páginas dos jornais pelos piores motivos: foi preso, condenado a desintoxicar-se numa clínica, fugiu dela acolhendo-se alguns dias no seu veleiro e, quando voltou, o tempo de prisão redobrou. Mas foi essa forçada abstinência das drogas duras, que o livrou delas de vez. O casamento com Jan Dance, em 1987, constituiu outra boia de salvação, que nunca mais largou. Assim como manteve o seu inveterado mau feitio, que o condenaram a ver-se cortado das relações de amizade com os outros três membros do grupo. Depois de lhe terem aturado tantas tropelias, Stephen Stills, Graham Nash e Neil Young fecharam-lhe definitivamente a porta.
O documentário não dá grandes explicações sobre o drástico fim do grupo, mas respeitando os cânones deste tipo de filmes vale mais pelo que lega à posteridade do que pelos riscos de se desviar para opções menos convencionais. Para um fã dos CSNY constitui o suficiente para ficar satisfeito...

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