sexta-feira, novembro 29, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «A Rapariga apanhada na teia de aranha» de Fede Alvarez


Confesso à partida o preconceito: não tenho qualquer simpatia por David Lagercrantz enquanto autor dos sucedâneos da trilogia de Stieg Larsson, a ele encomendadas pelos herdeiros legais do autor. O que eles representam é execrável: depois de estigmatizarem o filho ou irmão, ostracizaram sem pinga de escrúpulo a companheira do escritor, que lhe dera todo o apoio e com ele vivera anos a fio, mas sem ser reconhecida nos seus direitos por uma legislação absurda.
Foi, pois, com essa reserva mental, que me dispus a ver o filme estreado o ano transato e tendo Lisbeth Salander como personagem principal. E, afinal, nem sequer tive de fazer o mínimo esforço para considerar que aquilo é demasiado mau para ser verdadeiro.
A intriga mete espiões e gangs de criminosos com riscos de apocalipse nuclear pelo meio, mas condimenta-o com estórias de incesto e de ódios fraternos, que desde início se adivinham. O realizador, o uruguaio Fede Alvarez, até então autor de filmes desinteressantes, decidiu que a dinâmica do projeto passaria pela multiplicação alucinogénia de planos com durações da ordem dos centésimos de segundo. A banda sonora é feita do pastiche entre as compostas por John Barry para os filmes de James Bond e as de Bernard Herrmann para os de Hitchcock. E os atores e atrizes, todos ilustres desconhecidos (ou merecedores do correspondente anonimato) revelam  poses esfíngicas onde não perpassa qualquer emoção ou, pior, macaqueiam (no caso dos vilões!) os tiques corriqueiros nos filmes de orçamentos bem mais comedidos.
Tudo aquilo soa a falso, a inverosímil. Quem pode crer que a pobre da Lisbeth caia de alturas assassinas, leve com estilhaços de explosões, desperte de injeções bastantes para pôr elefantes a dormirem horas a fio, e se levante sempre fresca que nem uma alface para salvar o mundo de quem pretende dar-lhe lamentável fim?
Poder-se-á argumentar que o mesmo costuma passar-se com 007 e até achamos piada! É verdade, mas havendo um original bem feito para quê consumirmos contrafações manhosas?
E que dizer, igualmente, dos dotes de Lisbeth como hacker. Mesmo em espaços destruídos por pavorosos incêndios as câmaras ali por dela deixadas sabe-se lá quando continuam a dar-lhe as informações mais precisas nos momentos adequados.
No tempo do fascismo chegavam a aparecer nas plateias uns quantos chatos, que proclamavam alto em alto e bom som ser um barrete o que se via na tela. Que falta fazem hoje numa altura em que o pessoal da pipoca e da coca-cola tudo digere sem ponta de ceticismo...

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