sábado, novembro 16, 2019

Cirros, cúmulos e nimbos: Efeitos calvinistas


Andavam ainda os portugueses a mando dos Filipes, quando rebentou a bolha das tulipas em Amesterdão. Estava-se no ano de 1637 e ocorreu aquela que ficou conhecida como a primeira crise numa bolsa financeira. Logo para a estreia verificou-se a tendência para os incautos acreditarem piamente que uma bola, atirada ao ar, continuará sempre a subir, sem voltar a cair para lhes dar cabo das cabeças. A bola era, e continua ainda hoje a ser, o preço das ações, que entusiasma multidões, quando as convencem de ser fácil a riqueza no investimento em ações e só compreendendo o logro em que caem ao verem-se de bolsos subitamente esvaziados.

Não deixa, porém, de ser curiosa a razão porque os holandeses do século XVII fizeram das tulipas o cerne dessas cotações quotidianamente variáveis. Calvinistas por natureza, a fé inibia-os de ostentarem a fortuna. As belas flores constituíam oportuna exceção porque, detendo-as, não estariam a incorrer no pecado, antes se convenciam comprometidos na glorificação das obras do seu Senhor. Daí que, ainda hoje, sejam os holandeses os europeus, que maior afã dedicam aos seus jardins.
A capacidade de se crer na mais estapafúrdia das conclusões também se verificou com outro holandês - Vincent Van Gogh - cuja pistola foi leiloada por 162 mil euros e é hoje peça fundamental nas exposições itinerantes sobre a sua vida e obra. E, no entanto, publicita-se ter sido encontrada num campo em Auvers-sur-Oise, perto do sítio onde o pintor terá querido pôr fim aos seus dias, correspondendo o calibre à bala com que ele se terá atingido.
As dúvidas em torno desse suicídio nunca mais se elucidaram até havendo teses quanto a ter-se tratado de um homicídio sem que os perpetradores se vissem responsabilizados. Mas a mistificação em torno da biografia de Vincent não se fica por aí, porque as referências ao dinheiro em quase todas as cartas para o irmão Théo não resultariam da sua falta - a mesada por ele propiciada era bastante considerável para a época -, mas pelo mesmo ideário calvinista, que exige a devida retribuição para o produto do seu trabalho. Daí que ele não vivesse na indigência, mesmo que de tal hábito se vestisse, mas do inconformismo por não ter notícia da venda das centenas de obras produzidas nesses seus últimos dez anos de vida...

Sem comentários: