terça-feira, novembro 12, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Made in Italy» de Luciano Ligabue (2018)


À exceção do que Nani Moretti vai realizando - convenhamos que cada vez mais esporadicamente! - o cinema italiano não tem produzido obras de particular interesse nos últimos anos. A geração de grandes realizadores que nos davam a ver filmes memoráveis parece ter-se extinguido com Ettore Scola. O que, no fundo, se interrelaciona com a evolução política de um país em que, primeiro com Berlusconi, e mais recentemente com Salvini, se fizeram emergir o que de pior andava recalcado no âmago dos seus habitantes. Se nos anos 60 Dino Risi mostrou esses «Monstros» de forma a que servissem de argumentos para as suas comédias  - a eles voltando no final dos anos 70 com Scola e Monicelli nos «Novos Monstros»! - eles saltaram dos filmes bem humorados para surgirem como personagens assustadoras.
Luciano Ligabue, que assina a realização deste «Made in Italy», é um cantor de sucesso no seu país. Segundo os jornais não é fácil vê-lo em concertos, porque esgotam com inusitada rapidez. Mas se me escuso a comentar-lheos dotes canoros, não me senti nada impressionado pelos investidos na concretização deste projeto. Porque, tomando por protagonista, um desnorteado membro da classe operária, esta surge completamente incapaz de ir além do alinhamento dos sintomas, que a deixam insatisfeita, sem agir consequentemente para lhes dar expedita solução. Pelo contrário Ligabue deixa uma mensagem específica aos revoltados operários do seu país: se estão assim tão insatisfeitos tratem de emigrar, porque poderão ganhar bom dinheiro como empregados de mesa em restaurantes italianos numa qualquer cidade alemã.
Stefano Accorsi, a quem Maria de Medeiros deu o papel de Salgueiro Maia no filme sobre a Revolução de Abril, é esse operário de uma fábrica de salame que, ao fim de trinta anos de trabalho, vive miseravelmente com os 1200 euros de ordenado. Ao melhor amigo confessa o medo de, depois do avô ter construído a casa onde mora e o pai a ter ampliado, caber-lhe a triste missão de a vender por já não ter a capacidade de a manter. Estamos perante uma óbvia metáfora da própria Itália, também ela em progressiva degradação política, económica e social.
Os amigos servem-lhe de paliativo para lhe sossegarem as frustrações, assim como a amante, que acaba por repudiar. Mas ele, que nunca se privara de saltar a cerca, fica possesso quando se sabe traído por Sara a quem já mal dirigia a palavra. A revolta dá-lhe alento para ir a Roma, integrar-se numa manifestação e ver-se brutalmente agredido por um polícia de choque.
Herói nacional por umas horas já que as imagens desse momento tornam-se virais, Riccardo dececiona o jornalista, que o entrevista à saída do hospital, não lhe dando as respostas expectáveis em quem suposera agir contra quem o explorava e lhe cerceava os direitos fundamentais. A entrevista para a televisão é um momento confrangedor, porque ele escusa-se a entender quanto a aposta nas cumplicidades coletivas dos seus parceiros de infortúnio poderia contrariar a impotente manifestação do seu espúrio individualismo. Mas reflete, afinal, esta época em que os explorados viraram costas aos sindicatos e aos partidos mais à esquerda para, fazendo gala da sua condição apolítica, transformarem em atos de vandalismo a insatisfação dos seus sonhos nenhuns.
«Made in Italy» acaba por ser daquelas propostas cinematográficas, que poderiam ter escolhido trilhos diferentes e com outra consistência em vez da embrulhada narrativa, que alterna entre o confuso e o incoerente...

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