terça-feira, novembro 26, 2019

Diário de Leituras: «HHhH» de Laurent Binet


Em 27 de maio de 1942 um atentado em Praga feriu gravemente o mais terrível dos nazis - Reinhard Heydrich - que não só criara os serviços secretos do Reich e os Einsatzgruppen incumbidos de iniciarem o genocídio de judeus e comunistas a leste mas também concebeu a Solução Final concretizada nas câmaras de extermínio em massa nos campos de concentração. Olhando para a biografia daquele que era o Protetor na antiga Checoslováquia encontramos a sua intervenção ativa em todos os momentos da história alemã entre a ascensão de Hitler ao poder e a sua morte, resultante da septicemia decorrente dos ferimentos contraídos na conjura. Na Noite de Cristal está lá o seu dedo. Idem na Noite dos Facas Longas ou na falsa invasão polaca, que garantiu o alibi para a decisiva invasão de 1 de setembro de 1939. Em suma aquele que era considerado o «cérebro de Himmler» poderia estar destinado a voos ainda mais altos acaso não tivesse ficado pelo caminho. Pelo menos é isso que conjeturam alguns imaginativos estudiosos da Segunda Guerra capazes de suporem a substituição do paranoico Hitler por este ambicioso lugar-tenente, dotado de uma inteligência organizativa capaz de evitar o caos dos últimos anos do regime e dificultar a sua derrota.
Quando iniciamos a leitura do livro já conhecemos de antemão o final: Gabčík e Kubiš conseguirão tornar a Operação Antropoide num enorme êxito, mesmo pagando com a vida a eliminação do detestado inimigo. O que tem de mais interessante este projeto de Laurent Binet, que por ele ganhou o Goncourt de 2010 atribuído ao primeiro romance, é a sua construção. Verdadeiro work in progress, vamos acompanhando a acumulação de informação colhida pelo autor, em paralelo com as vicissitudes da sua vida pessoal, e partilhando as dificuldades nas partes mais difíceis de passar ao papel. Particularmente complicada revelar-se-á a descrição das circunstâncias em que decorreu o atentado e, depois, o cerco aos seus autores, percebendo-se a relutância de Binet em ser totalmente fiel aos documentos a eles dedicados ou deixar-se enredar na tentação ficcional para adivinhar os estados de ânimo dos conspiradores.
Existe, igualmente, a desconfiança de Binet para com outros autores envolvidos na abordagem do mesmo tema, destacando-se a assumida antipatia para com «As Benevolentes», o volumoso romance de Jonathan Littell que tantos elogios colhera quatro anos antes com a efetiva efabulação em torno de um personagem igualmente envolvido em muitos dos acontecimentos relacionados com o Holocausto e acrescentando-lhes a Batalha de Estalinegrado ou o cerco final a Berlim.
Embora quase nada de novo traga sobre um acontecimento histórico muito divulgado, a opção narrativa de Binet justificou a fácil adesão à sua leitura.

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