terça-feira, novembro 08, 2016

(DIM) O Outono Alemão de 1978 segundo Fassbinder

Em 1978 a Alemanha Ocidental estava a viver uma intensa luta geracional entre os jovens e os pais e avós, cujo comportamento durante o período nazi fora objeto de um singular apagão na memória coletiva. O que serviu para pôr em causa todas as cumplicidades alimentadas desde o fim da guerra e capazes de projetarem para a chancelaria de gente pouco recomendável - de Konrad Adenauer a Kurt Kiesinger, passando por Ludwig Erhard - cuja ideologia e valores mantinham o que de pior provinha dos tempos prussianos. Algo ainda hoje bem percetível no cinismo e arrogância de um Wolfgang Schäuble, cuja virulência tanto nos tem prejudicado.
Nesse ano Andreas Baader e Ulrike Meinhof já tinham sido assassinados na prisão por um estado policial, que não tardaria a ver-se achincalhado pela capacidade da RAF em capturar e matar o patrão dos patrões alemães, o execrável Schleyer. Algo que equivaleria em Portugal em raptar e executar o patrão da CIP.
«A Alemanha no Outono» é o filme rodado por um coletivo de realizadores - entre os quais Fassbinder, Schlondorff ou Alexander Kluge - para exprimir os estados de alma de quem assistia a tais acontecimentos numa perspetiva anticapitalista.
No sketch de Fassbinder, ele próprio se põe em cena revelando-se num quotidiano marcado pelas dúvidas quanto à forma de prosseguir com a rodagem da série «Berlim Alexanderplatz», passeando-se nu pelo apartamento sob os efeitos da cocaína e temendo, sobretudo, o regresso a uma Alemanha novamente rendida ao fascismo. Pressente-se-lhe nas palavras e nas posturas corporais  a energia suscitada pelo desespero. Ele é o retrato de um rebelde exasperado com o discurso de quem se diz sintonizado com a maioria dos alemães, que defendiam a punição dos terroristas. Quão difícil é ter razão e vê-la espezinhada pelo  discurso dominante falacioso e eivado de preconceitos, continuamente matraqueado pelos órgãos de (des)informação.
Essa exasperação revela-se, igualmente, nas discussões com a mãe sobre o que iam conhecendo a partir dos jornais e das televisões. Ela, que vivera durante o nazismo, tem o desaforo de lhe dizer que, em certos momentos, é preciso pôr parêntesis na Democracia para que a razão de Estado pudesse liquidar os terroristas.
Não se chega a compreender se essas cenas passadas na cozinha refletem uma raiva fria ou se uma expressão encenada, porque exemplificam aquele tipo de cinema em que a naturalidade da representação parece ultrapassar a da realmente vivida.
Liselotte Elder, essa mãe na vida real, que Fassbinder utilizou em papéis antipáticos nos seus filmes, representa o que a Fração do Exército Vermelho via como a Alemanha, que passara do nazismo à Democracia sem saber bem como nem porquê.

 

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