segunda-feira, novembro 28, 2016

(DIM) «The Eichmann Show» de Paul Andrew Williams

Houve um tempo em que foi enorme a minha simpatia pelo povo judeu ao sabê-lo vítima de tantas atrocidades ao longo da sua História. Os crimes contra ele cometidos por inquisidores, por organizadores de progroms e durante o Holocausto, geraram-me a reação compassiva sempre natural para com as vítimas.
O problema é o que tem sido cometido em Israel contra os povos ali instalados, progressivamente expulsos das suas casas e terras, para benefício de colonos ultraortodoxos, cuja reivindicação de legitimidade de direitos assenta numa leitura tão enviesada do seu Livro como os islâmicos fazem do Alcorão. Em termos de fanatismo pouco distingue um jiadista de um sionista radical, ambos tentados ao assassinato como forma de fazerem prevalecer o que entendem ser os seus dogmas.
É por já termos perdido as ilusões quanto ao que é ser judeu no terceiro milénio (onde ficaram os que, em Israel, eram comunistas ou socialistas e se organizavam em kibutz!), que um filme como «The Eichmann Show» suscita reação ambígua. Por um lado é interessante constatar como se torna obsessiva a tentativa do protagonista, Leo Hurwitz, em encontrar uma réstia de humanidade no olhar, na expressão do criminoso nazi, cujo julgamento foi incumbido de filmar.
Sabemos que o realizador tem um passado de marginalização e de sofrimento, incluído que foi na nefanda lista negra do senador McCarthy. Quando o produtor Milton Fruchtman o contratara sabia bem o quanto esse facto pode incomodar os seus patrões, mas insiste por se tratar daquele que considera o melhor realizador de documentários disponível. Mas o filme também revela como a obsessão anticomunista não reside apenas nos EUA, porque as próprias autoridades israelitas pressionam a produção para não entregar uma das câmaras a um operador, que tinha tais simpatias. Conclui-se, pois, que o conceito de Democracia já era assaz ambíguo em Israel em 1961, quando o julgamento decorre. Não foi, pois, preciso chegar aos governos de Begin ou Sharon para ver a política israelita derivar acentuadamente à direita.
Outro aspeto interessante do filme é o da vergonha dos sobreviventes dos campos de extermínio por terem presenciado o clímax do Horror e manterem-se vivos. Nos anos que se seguiram, em vez de verbalizarem os seus testemunhos, tinham-se silenciado, não só porque à sua volta ninguém parecia interessado em conhecer-lhes as provações, mas, sobretudo, pela desconfiança dos que sugeriam comportamentos reprováveis para terem conseguido a salvação negada à maioria dos seus companheiros de martírio.
O julgamento de Eichmann funcionou, pois, como o momento de catarse para as vítimas, enfim capazes de serem donas das suas palavras e de as verem ouvidas.
Ao alternar imagens de recriação ficcional com as reais, rodadas durante o julgamento, Paul Andrew Williams consegue incrementar a adesão à sua proposta interpretativa do vivido por um conjunto restrito de personagens. No entanto ficará sempre a dúvida, quando estamos perante um filme, que suscita intencionalmente a empatia para com os judeus: como é que de vítimas se foram tornar em odiosos algozes?


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