Há vinte anos, quando Heddy Honigmann rodou «O Amor Natural», tendo por tema os poemas eróticos descobertos quatro anos antes no espólio do poeta Carlos Drummond de Andrade, o Rio de Janeiro aparentava ser muito diferente do que acaba de eleger como prefeito um pastor evangélico conhecido pela sua homofobia e misoginia. Nesse sentido o proselitismo agressivo das novas seitas e religiões tem tido como resultado um maior puritanismo, uma abordagem doentiamente preconceituosa do sexo como algo a dissociar da condição humana.
Se inicialmente Heddy demonstra o desconhecimento, que a maioria dos mais desvalidos tinham relativamente a um dos nomes maiores da literatura brasileira, ela logo começa a recolher testemunhos em homens e mulheres de uma certa idade, que se confessam admiradores do poeta e leem com agrado os seus poemas eróticos. Mas Heddy não se fica por aí aproveitando para os por a falar dos respetivos passados de boémia e de muito sexo, quase sempre vivido com grande prazer. Se não na prática, pelo menos na fantasia, como foi o caso da anciã, que não se priva de revelar os seus fantasmas mais recônditos.
O que vemos em testemunhos tão diversificados é esse tempo em que não existia pecado do lado de lá do equador, muito embora o fornecedor de chapéus para o poeta coloque como fronteira para a mudança o golpe militar de 1964.
Confesso que a primeira vez que vi este filme numa das edições do Festival Indie, a surpresa foi tanta, que me quedei algo perplexo com a naturalidade e a alegria com que velhas senhoras e senhores confidenciavam os seus segredos mais íntimos. Feliz geração essa em que os corpos se encontravam e desencontravam sem complexos, nem sentimentos de posse. Ao contrário do que já se antevia nas gerações mais novas, aqui a olharem constrangidas para as palavras desbocadas dos familiares, como se elas significassem formas extremas de pecado, que as suas cândidas almas passaram a execrar…
Heddy olha para esta realidade com o filtro do investigador, que procura respostas fiáveis para os fenómenos de que se assume como divulgador, embora escolha uma perspetiva eminentemente subjetiva para dar da realidade uma mistificação pícara, quase por certo só defendida por uma minoria bastante restrita. No Brasil, como em quase todos os outros lugares, falar de sexo ainda causa muitos engulhos nos que o não veem como natural.
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