Ao passearmo-nos pelas ruas de uma cidade, é inevitável reconhecer-lhe a identidade própria através da arquitetura, da toponímia, dos monumentos, dos linguajares, do trajar, das mensagens publicitárias e de tantos outros exemplos, que a dissociam de qualquer outra.
Roma é inconfundível com qualquer outra metrópole do nosso tempo, tão marcada se revela pelos vestígios do notável passado republicano e imperial.
Richard Krautheimer instalou-se nela em 1933, quando as perseguições nazis o fizeram sair do país onde nascera e estudara. O fascínio foi imediato e pode vivê-lo nos dois anos seguintes. Quando o fascismo mussoliniano se lhe tornou insuportável para a ânsia de liberdade, conseguiu mudar-se para Louisville, nos Estados Unidos, onde iniciaria prestigiada carreira de professor e de investigador concluída em Nova Iorque, onde morreria nos primeiros anos da década de 90.
O intento de fazer a História de Roma no período em que mais influência terá exercido no que viria a ser o Ocidente, ou seja entre 312, quando reinava Constantino e 1303, quando Bonifácio VIII foi deposto e o papado transferido para Avinhão, explica-se, igualmente por, durante todo esse milénio, muitos dos edifícios do passado terem servido de materiais para a criação dos novos, já imbuídos dos valores cristãos e se ter criado o conceito de monumento.
Excluindo o Coliseu e muralhas próprias da época dos Césares, os vestígios mais antigos ainda hoje percetíveis na capital italiana datam do milénio abordado por Krautheimer.
Algo que o autor enfatiza é a perenidade de um ideal de grandeza recolhido do passado distante. Apesar de todos os saques, massacres e conquistas, as diversas populações, que se foram mesclando na condição romana, imbuíram-se dessa sensação recolhida dos vencidos.
Logo de início, Constantino é descrito como o responsável pela criação da ideia de basílica enquanto tradução visual do culto dedicado aos símbolos católicos. O poder dos sucessores, depressa é espezinhado pelo papal, que se dispôs a concentrar a tradição imperial com a religiosa, revelando uma das mais notórias características do período medieval, quando a Igreja detinha um poder desproporcionado comparativamente com o dos reis e demais senhores feudais. Basta atentar em Afonso Henriques para lembrar que um rei só era reconhecido como tal pelo beneplácito papal.
Neste terceiro milénio esse poder ainda se mostra exagerado, mesmo se reduzido à movimentação dos seus prosélitos para contrariar a aspiração dos povos em verem-se libertos de persistentes preconceitos. O que levanta a questão de saber que alterações devem ser promovidas na arquitetura das cidades para deles expurgar o que nelas absurdamente sobrevive: a ideia de um divino, que a todos pretende sobrepor-se.
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