Confesso que, comparativamente com os quatro romances anteriores, «O Filho de Mil Homens» e «A Desumanização», não me conseguiram entusiasmar da mesma maneira, levando-me a rever a tese de estar em Valter Hugo Mãe o mais merecedor dos romancistas contemporâneos a empunhar o testemunho deixado por José Saramago. Tendo em conta outros entusiasmos concomitantes (João Tordo, Ana Margarida de Carvalho, Pedro Eiras, entre outros) deixei ficar em suspenso a minha escolha para esse reconhecimento.
A explicação para essa relativa desilusão - apesar de se tratarem de livros sempre muito bem escritos! - terá alguma explicação no que o autor explicou a Luís Caetano em excelente entrevista à Antena 2: a escrita continua a ser para ele um esconderijo, uma espécie de defesa face ao mundo. Não se trata de o negar, mas de o tentar conhecer melhor. Por isso mesmo a escrita funciona como uma mundividência, que ele espalha em seu redor, sempre porfiando em regenerar-se de acordo com a sua fúria pelo novo.
Cada livro representa, pois, perigar-se ao escolher vias anteriormente não exploradas. E aqui cabe o reconhecimento do mea culpa: porventura não apreciei tanto os seus romances de 2011 e de 2013, porque pretendia encontrar neles uma continuidade do que tanto me agradara nos anteriores e fiquei atordoado com o que descobria de diferente. Daí que ponha em dúvida se o meu juízo terá sido justo e não exprimiu um “conservadorismo” no gosto, que desejaria não confirmar. Porque também eu ando sempre à procura do que me possa surpreender, impressionar, inquietar, incomodar, e isso só é possível com o que de inédito me sensibilize.
Estou, pois, expectante perante «Homens Imprudentemente Poéticos», que o representante do Círculo de Leitores prometeu levar-me à porta tão-só regresse a casa. Predispondo-me a lê-lo com maior assertividade até porque é passado num país de que gosto tanto como o autor: o Japão.
Das várias vezes que ali estive, recebi mostras dessa cordialidade tão elogiada pelo Valter Hugo Mãe tanto mais que expressa por um povo ainda há um século caracterizado pelos valores dos samurais, invariavelmente agressivos para com os estrangeiros, que consideravam uns bárbaros. Do total fechamento sobre si mesmos até esta predisposição para receberem afavelmente quem os visita, decorreu um lapso de tempo muito curto, que incluiu os traumas da guerra e as sequelas das agressões nucleares de que foram vítimas. Hoje são muitos os testemunhos sobre o contentamento e a disponibilidade para estarem com o Outro, seu diferente.
Senti-o isso em Miike, quando o «Fernando Pessoa» ali atracou, e tratando-se da primeira visita de um navio àquele porto, chegou a bordo uma comitiva constituída não só pelas autoridades políticas locais, mas também as culturais, mormente o diretor do museu que continha testemunhos da chegada dos nossos antepassados ali no século XVI. Que receção a que eles nos facultaram: ainda hoje guardo com gratidão as singelas oferendas com que fui recompensado, nomeadamente um baralho de cartas, que terá sido um dos legados ali deixados pelos nossos distantes antecessores.
Ou, noutra ocasião, em Tóquio, quando fui o único tripulante a desembarcar para apanhar o avião de regresso à Europa e um japonês igualmente chegado ao cais da lancha que ali me deixara, me ajudou a carregar as malas atá ao táxi sem para tal o solicitar. Apenas por desinteressada simpatia. Despedindo-se com votos simpáticos de boa viagem.
Por tudo isso, convenço-me de que terei um enorme prazer em descobrir o novo título do autor de «o apocalipse dos trabalhadores». E em comungar com ele o fascínio por tal civilização.
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