Quase todas as manhãs tenho o programa do Paulo Alves Guerra da Antena 2 como despertador. Já era com ele, que costumava dirigir-me todas as manhãs para as Amoreiras, para o dia de trabalho, e continua a ser um bom hábito agora, que vivo na condição de reformado.
Nesta fase é um privilégio emergir das profundezas de Sonhorosa com as mais exaltantes criações da música erudita, que criam o melhor dos estados de alma para o dia que então nasce.
Hoje, a propósito do aniversário do nascimento de Giacomo Puccini fui despertando com as vozes de Renata Tebaldi, Maria Callas ou Renée Fleming nas mais conhecidas árias da «Turandot», «Madame Butterfly» ou de «La Bohème». O que dá um bom ensejo para iniciar um conjunto de pequenos textos sobre a obra do italiano, que teria 158 anos se ainda conseguisse manter-se entre os vivos.
Porque viveu no período imediatamente subsequente ao dos grandes sucessos de Verdi, Puccini é considerado apressadamente como um dos seus discípulos. O que se confirma na escolha dos temas e na eloquência arrebatadora da sua tradução musical.
Existem, porém, diferenças importantes se compararmos as suas obras com as de Pietro Mascagni ou Ruggero Leoncavallo, esses sim indubitáveis veristas. Em Puccini há a tendência para apostar nas emoções em detrimento da violência, a solicitação permanente da vertente poética e fantasista, e, sobretudo a elegância do estilo, da orquestração e da harmonia, que subalternizam o «bel canto».
A evolução de Puccini assume, por isso, uma peculiar importância, por fazer a síntese da arte de Verdi e do wagnerismo, acrescentando-lhes as subtilezas de Debussy, e revelando-se pioneiro na utilização de recursos depois amplamente explorados no posterior dodecafonismo. Por isso mesmo Arnold Schönberg não hesitará em homenageá-lo como um dos seus inspiradores.
E, no entanto, a sua obra dá uma impressão de atratividade, que sugestiona os auditórios menos habituados à música clássica, que corrobora a intenção permanente de Puccini em agradar, sem jamais se sentir tentado a recorrer aos tiques intelectualóides.
Quem, porém, dedica esforço ao estudo das suas partituras confirma ser ele o último grande mestre da ópera italiana. É por isso que qualquer dos grandes nomes do canto lírico recorre inevitavelmente ao reportório pucciniano, quando se trata de exibir a excelência dos seus dotes vocais. Para nosso prazer, que podemos assim sentir aquele inexplicável frémito de emoções escondidas, subitamente despertas por timbres vocais com que somos forçados a uma estranha identificação.
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