“James Lovelock não teve sucesso com a hipótese Gaïa. Ao designar com este velho mito grego o sistema frágil e complexo pelos quais os fenómenos vivos modificam a Terra, julgou-se que ele falava de um organismo único, de um termostato gigante, até mesmo de uma Providência Divina.
Nada disso correspondia ao seu conceito: Gaïa não é o Globo, nem a Terra-Mãe, nem sequer uma deusa pagã ou a Natureza tal qual se a imaginava no século XVII, enquanto símbolo da subjetividade humana. A Natureza constituía o plano recuado das nossas ações.
Ora, os efeitos imprevistos da história humana, aquilo que empurrávamos para o papel de cenário, impõe-se agora enquanto plano principal. O ar, os oceanos, os glaciares, o clima, os solos, tudo o que considerávamos instável, vem interagir connosco. Entrámos no ciclo da geohistória. É a época do Antropoceno, com o risco de uma guerra de todos contra todos.
A antiga natureza desaparece e dá lugar a um ser que é difícil prever como se manifesta. Esse ser, em vez de ser estável e fiável, parece feito de círculos de retroações em contínua turbulência e Gaïa é o nome que melhor se lhe aplica. Explorando as milhentas figuras de Gaïa descrever tudo quanto a noção de Natureza confundira: uma ética, uma política, uma estranha conceção das ciências e, sobretudo, uma economia e uma espécie de teologia.”
Esta longa versão apressada da apresentação do livro do filósofo e sociólogo Bruno Latour no site da editora La Découverte, sintetiza-lhe bem o conteúdo.
Para o autor nós estamos numa espécie de regresso ao século XVII: há guerras de religiões, incertezas sobre o papel do Estado e a descoberta de um mundo novo (a Terra em vez da América), deixando-nos surpreendidos com tudo quanto vemos passar-se à nossa volta sem que lhe consigamos perceber muito bem as suas verdadeiras dimensões.
O que Latour pretende com as oito conferências aglutinadas no seu livro é abater as placas tectónicas de ideias feitas, que mantemos nos nossos cérebros. E uma delas é, precisamente, essa falsa ideia sobre o conceito de Gaïa, que está longe de ser todo o planeta, mas se limita tão só a ser a sua pequena faixa superficial onde se joga o futuro da nossa sobrevivência.
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