À medida que avanço na leitura da coletânea de contos e novelas «La Faille Humaine» de Henning Mankell, vão-se destacando algumas das principais características identificadoras das histórias protagonizadas pelo inspetor Kurt Wallander.
Em primeiro lugar há a meteorologia. Invariavelmente encontramo-nos no longo inverno escandinavo, com a primavera a surgir, ano após ano, mais tarde.
Há depois a saúde do protagonista, com ele afetado por gripes ou dores de dentes, pelos efeitos das agressões sofridas ou, nos romances mais recentes, com os indícios de um alzheimer, que já lhe afetou o progenitor e lhe assombra os receios quanto ao futuro.
Outra constante é a tendência do personagem em se ver inesperadamente numa luta direta e solitária contra o assassino, pondo-se em perigo sem quase disso se dar conta.
Mas, porventura, o aspeto mais interessante de todas as personagens criadas por Mankell é o seu lado secreto, aquilo que escapa ao conhecimento dos vizinhos e familiares, muito embora constitua o móbil para o crime.
Em «A Morte do Fotógrafo» o homicida é um clérigo de Lund que descobre o prolongado adultério da mulher, quando ela lho conta à beira da morte. A ira leva-o a procurar o companheiro de uma excursão à Áustria, sete anos atrás, para se vingar da afronta. No entretanto, Wallander descobrira vertentes singulares sobre a vítima, mormente esse entretenimento de criar imagens deformadas de conhecidos políticos, quando se encerrava duas noites por semana na sua câmara escura. Ou a indiferença para com a filha deficiente, internada, quase desde a nascença, numa instituição e a quem nunca visitava.
Essa escusa do maniqueísmo também está presente no conto «O Homem na Praia»: a vítima é um homem que perdera o filho, alguns anos atrás, num crime nunca esclarecido e se entretivera, desde então, a assediar a juíza responsável pelo arquivamento do caso. Fora o marido dela que, vendo-a demasiado enfraquecida pela doença incurável para resistir às investidas do agressor, o matara sem qualquer escrúpulo.
No próprio conto, que dá título ao livro, não é tarefa fácil discernir entre os que possam ser os bons e os maus. O assassino da merceeira de Jägersno é um refugiado político sul-africano incapaz de se adaptar aos requisitos de sobrevivência na Europa e apostara no roubo como modo de vida.
Quer ele, quer o marido da juíza da história anterior, acabam por se suicidar à frente de Wallander, sem que disso os possa impedir.
Confesso que tendo vivido três verões na Suécia e na Noruega não encontro muita semelhança entre o que aqui se revela e a ideia que, então, fiz dos respetivos povos. Terei sido, provavelmente, iludido pelas aparências de uma bonomia coletiva capaz de esconder eficientemente o seu mal-estar profundo.
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