Desde o início deste romance, passado em 3700 d.C., que sabemos da existência de Platão como o grande orador de tal tempo futuro. Ele fora para tal designado e levara desde então a peito a tarefa de discutir os primeiros tempos da Terra, sobretudo o período entre 1500 e 2300 d.C., a Idade da Toupeira. Mas, como é natural em quem apenas se baseia em documentos históricos, lavra em erros de análise, que nos podem suscitar o sorriso. Nomeadamente quando nos atribui, homens do século XX, um preito fervoroso ao Sol ou quando qualifica como obra-prima da comédia o ensaio «Sobre a Origem das Espécies de os meios de Seleção Natural», que atribui erradamente a Charles Dickens (porque o lera num livro onde só era visível «Charlie D»).
Para esses habitantes do futuro, tal qual Ackroyd os imaginou, as nossas crenças são risíveis: por exemplo o esmorecimento das estrelas e a queima dos instrumentos, que tinham caracterizado o fim da Idade da Toupeira, anunciara-se por vários sinais de declínio como, por exemplo, o prazer mórbido de ler jornais sobre guerras, homicídios, violações e despojamentos. “ Por mais complicado que seja para nós compreender, eles simplesmente pareciam divertir-se ao ler sobre as desgraças dos outros.”(pág. 31).
Uma das descobertas arqueológicas, que muito entusiasma Platão, foi a do livro «Contos e Histórias» de E. A. Poe, que julga significar “eminente poeta americano”. Porque, através dele, julgou conhecer algo mais sobre um povo muito importante nessa Época da Toupeira: “Todos os pensamentos dos Americanos eram sobre a morte. Por que razão seria um povo tão rico e aristocrata suscetível dessa forma ao terror mórbido, e porque escolheriam viver imiscuídos em tantas ameaças de esplendor e decadência, são questões ainda por resolver.” (pág. 47)
A Idade da Toupeira terá sido aquela em que os homens descobriram que as luzes das estrelas e do Sol provinham de dentro de si mesmos e tinham-se apagado. “O período de raiva e medo seguinte tem sido muitas vezes retratado. As pessoas da Toupeira não queriam, ou não conseguiam, reconhecer a luz dentro de si mesmas, por si viravam-se contra a escuridão e contra a falsa realidade que havia sido criada em torno deles. Alguns admiravam-se de ainda conseguirem viver e respirar, mas a maior parte dos habitantes desta civilização perdida era provocada para participar em sessões de violência e destruição. Primeiro viraram-se contra as máquinas dos seus dirigentes e, segundo os nossos historiadores, iniciaram a queima dessas máquinas.
Pouco depois do incêndio geral, quando os fogos cessaram, uma luz subjugada e sombria pareceu despontar da própria terra e cresceu em força à medida que envolvia as pessoas. Pouco a pouco veio o dia aberto, sem aquele céu noturno que durante tanto tempo os tinha iludido e controlado; eles rejubilaram, mas depois tornaram-se temerosos quando se aperceberam de que a luz também vinha de dentro deles. É este o momento no qual podemos, com alguma certeza, marcar a abertura do Feitiço do Espírito” (pág. 69)
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