No final da adolescência fiquei impressionado com um filme de John Boorman, que nunca mais esqueci: «Delivrance».
Um grupo de amigos descia um rio, em breve destruído por uma barragem, e a beleza da paisagem dava lugar à barbárie da maldade humana nela escondida.
Anos depois o mesmo John Boorman oferecia-me o prazer de assistir à abordagem mais fascinante de quantas assisti sobre a corte do rei Artur com «Excalibur».
Desde então nunca mais senti idêntico deslumbramento enquanto espectador dos seus filmes. Mesmo com o seu celebrado «Esperança e Glória», que rodou em 1987 e teve agora uma sequela.
Projeto autobiográfico, Boorman replicara-se nesse pequeno Billy que, em pleno blitz, olhava para os bombardeamentos como se fossem fogo-de-artifício e lhe agradavam tanto mais quanto faziam desaparecer a detestada escola.
Aos 82 anos, e ciente de estar provavelmente a rodar o seu último filme, Boorman volta a esse mesmo Billy em 1952, quando é chamado para o serviço militar obrigatório.
Então com 18 anos, vive nessa ambiência em que os velhos soldados ainda se agarram à nostalgia de um Império desaparecido e os novos não têm qualquer paciência para o mundo fechado e provinciano, que se vêem obrigados a suportar. O paliativo está nas sessões de cinema, que partilha com Percy, o colega de quem se torna inseparável, desde que tinham escapado ao destino dos que tinham sido enviados para a Coreia, porque se tinham visto destacados para a formação de novos soldados numa espécie de campo-prisão.
Será também esse o tempo dos primeiros amores, com Percy a namoriscar uma enfermeira, enquanto Bill se prende de assolapada paixão por uma rapariga algo perturbada, que conhecera durante um recital.
Não tarda que Bill e Percy se vejam perante a alçada de um tribunal militar devido ao desaparecimento de um relógio oferecido em tempos pela Rainha Vitória ao seu regimento.
Quando se livra da encrenca, Bill regressa à ilha do Tamisa, que constituía o seu refúgio e inicia, então, os seus primeiros passos na realização cinematográfica.
Estamos, pois, como é habitual nos filmes de Boorman, num mundo brutal. Mas, ao contrário desse «Delivrance» do meu encantamento, já se esvaiu muito do talento do realizador. Os personagens estereotiparam-se, quase se reduzindo ao papel de caricaturas na sua rejeição da autoridade.
Para a despedida, Boorman preocupa-se mais com os detalhes da época - e, de facto, nesse sentido, a reconstituição dos cenários e do guarda-roupa é irrepreensível! - do que em questionar as memórias que desejou evocar.
Quer isso dizer que «Pela Rainha» é um mau filme? Claro que não! Mas para quem teve do talento de Boorman exemplos bem mais aliciantes, este filme fica-se pela mediania.
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