Dos filósofos atuais, Michel Onfray é decerto um dos que mais interesse me motiva. Não propriamente por concordar com tudo quanto diz - longe de mim execrar Freud, como ele o faz! - mas o acompanhar em duas vocações: a de hedonista e a de enciclopedista. Como dizia Terêncio na Roma Antiga “Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho. ”
No seu mais recente ensaio, acabado de publicar em França - «Cosmos - vers une sagesse sans moral», Onfray diz-se disposto a partilhar a herança recebida do pai, que à hora da morte o instara a continuar fiel a si próprio, ou seja a manter a preocupação com o lugar de cada um no conjunto do universo.
Há outra convergência minha com o ideário de Onfray: nenhum de nós carece de um qualquer deus. Por isso a busca do sublime é orientada para a arte ou para a natureza, onde é descortinável e pode rejeitar o niilismo que tanto compraz muitos dos que nos rodeiam.
Mesmo quando reconhece os malefícios da civilização, Onfray não o faz numa lógica apocalítica, mas no quanto ela nos priva das sensações mais gratificantes: “a civilização desnaturou o animal que existe em nós para nos transformar em testemunhas passivas do mundo e privar-nos da capacidade de saber cheirar ou degustar”.
Um desses danos é a privação de olharmos o céu e vermos as estrelas. Ele apercebeu-se disso mesmo numa noite em que estava na Mauritânia e nenhuma poluição urbana se detetava num raio de muitos quilómetros. Foi-lhe fácil concluir sobre a impossibilidade dos filhos do betão, do cimento e da luz artificial conseguirem enraizarem-se no cosmos.
Hoje as pessoas estão dissociadas do céu, que tanto importa despoluir. Porque ao ser-nos quase invisível, priva-nos precisamente de uma das tais possibilidades de sublime. Aquela em que perante a constatação de algo de uma dimensão incomensuravelmente maior do que nós próprios nos permitiria o deslumbramento com uma indizível majestosidade.
Há pois uma mundividência em perigo perante esta sociedade que nos obriga a acelerar sempre mais. “Vivemos mais depressa porque a queda da nossa civilização está-nos a arrastar na velocidade com que ela declina”.
Onfray não poupa, igualmente, o papel das religiões: “Mergulhados nos lençóis judaico-cristãos, deixámos que desaparecessem as verdades pagãs”. Muito embora contemos com a ajuda da astrofísica, que tanto contribuiu para descristianizar os céu e o devolver à perceção dos primitivos.
Como não deixa de denunciar os muitos ecrãs, que tomam a maior parte dos nossos dias - nos telefones, nos computadores, nas televisões - esse tempo virtual que nos dissocia do tempo cósmico. Ainda que haja quem denuncie a hipocrisia de Onfray, por habitar frequentemente esses mesmos ecrãs para lhes denunciar os supostos malefícios.
Mesmo que eivado de algumas contradições o grande animador da Universidade Popular de Caen continua a propor linhas de reflexão bastante estimulantes.
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