Na sequência de um sismo, o lago Kleifarvatn começa a ver diminuído o seu nível, o que permite detetar o esqueleto de alguém ali em tempos afundado amarrado a um velho emissor soviético de radiotelegrafia.
Depressa se conclui que o assassinato terá ocorrido nos tempos da guerra fria e tendo por móbil algo relacionado com a espionagem. É, pelo menos, essa a linha de investigação seguida pelo inspetor Erlandur, responsável pela investigação. Ora ele é um entusiasta quase obsessivo por tudo quanto se relacione com desaparecimentos misteriosos e não esclarecidos. Por isso exaspera os colegas com detalhes tão comezinhos como o desaparecimento em 1968 de um tampão de gasolina num carro Ford Falcon encontrado vazio junto à estação rodoviária e cujo dono nunca mais aparecera. Algo que se virá a revelar fundamental para o esclarecimento da verdade dos factos.
Recuando aos anos 50 a narrativa acompanha Tomas, um dos estudantes islandeses pertencentes ao Partido Comunista, que frequentaram a Universidade de Leipzig a título de bolseiros. É assim, que acompanhamos o processo de progressivo afastamento ideológico dele e de alguns amigos perante a evidente discrepância entre a teoria e a prática quotidianamente, testemunhada, quer nos corredores escolares, quer na cidade. A seu respeito, comenta Erlandur: «Felizes dos que não viram e acreditaram”. Porque os que viveram a realidade ou voltam definitivamente desiludidos, como aconteceu a Tomas ou ao seu amigo Hannes, ou desaparecem simplesmente sem deixar rasto como sucedera com Ilona, a namorada húngara daquele, que estava grávida quando fora levada pela Stasi.
Arnaldur Indridason tem contribuído para nos aproximar do país dos lagos e dos seus imprevisíveis geisers. E com este romance traz-nos o determinado Erlandur, que se pela por um caso por resolver, comovendo-se com o destino das vítimas, mesmo tantos anos passados sobre o que as terá eliminado. Ou, como é também percetível neste romance, com a urgência em dar resposta a quem terá passado décadas a perguntar-se se os seus amores de juventude mais não terão sido do que uma efémera ilusão.
«O Mistério do Lago» é um policial psicológico, eficaz à sua maneira, porque Erlandur encontra-se diante de uma investigação, que o confronta com as reminiscências do seu próprio passado. É o pretexto para o desfile da galeria de personagens, que gravitam em seu torno: a filha drogada, e em cura de desintoxicação, com quem mantém uma relação sulfurosa; o filho, que vai aparecendo e desaparecendo sem que decida o que fazer ou onde viver; Valgerdur, a namorada platónica, que tarda em decidir se quer ou não separar-se do seu adúltero marido…
E há ainda a contar com os colegas de Erlandur: Ellingborg, que tem sucesso com um livro de receitas de cozinha ou Sigurdur Oli, que recebe a toda a hora os telefonemas de um homem deprimido e suicida. Sem faltar Marion Bremm, o antigo comissário e mentor de Erlandur, que é doido pelos velhos westerns com que se entretém enquanto o cancro o não leva...
A intriga vai sendo construída numa alternância progressiva entre a vida de Erlandur, da sua família, da dos colegas e a do personagem ligado ao crime que se acaba por descobrir ter sido cometido por Tomas para se vingar do desaparecimento de Ilona. O morto do lago fora o delator, colega de ambos, que denunciara as atividades subversivas dela à Stasi.
Mas, mais do que o crime em si, ou o que o motivou, o que interessa a Indridason são as personagens, o que pensam, a forma como se interrelacionam, como sonham … e quais os pesadelos que as assombram...
Sem comentários:
Enviar um comentário